A maioria das famílias que educa filhos bilíngues tem um sistema linguístico consistente em casa, o que diminui muito a tendência das crianças de misturar as línguas ou se recusar a falar uma delas. Em geral esses sistemas linguísticos domésticos são baseados em um de dois métodos:
- ’Minority language at home’ (MLH), ou
- ‘One parent, one language’ (OPOL)
Colin Baker, conhecido autor de livros sobre bilinguismo infantil, chama esses sistemas de ‘estratégias de separação das línguas ’.
Minority language at home (MLH)
Este é o sistema mais comum em famílias criando filhos bilíngues, e também o que tem maior chance de sucesso. Quando tanto o pai quanto a mãe falam uma língua que não é a falada no país de residência, podem optar por usar apenas essa língua na sua rotina doméstica, inclusive na comunicação com os filhos. A língua minoritária é usada por toda a família, mesmo que não seja a língua materna de um (ou ambos) os pais. A criança aprende a língua usada pelos pais em casa, e a língua do país de residência na escola e outros lugares onde tenha interação social com membros da comunidade. Esse sistema é o que tem maiores chances de gerar crianças totalmente bilíngues, porque a criança tem contato constante com a língua minoritária desde o nascimento até o momento que ela se muda da casa dos pais.
A seguir, alguns exemplos de famílias que optaram por este método.
Exemplo 1
Línguas envolvidas
Mãe - língua materna: português. Outras línguas: inglês
Pai - língua materna: português. Outras línguas: inglês
Língua do país de residência: inglês
Sistema linguístico doméstico
Comunicação entre mãe e pai: português
Comunicação entre mãe e filho: português
Comunicação entre pai e filho: português
Exemplo 2
Línguas envolvidas
Mãe - língua materna: português. Outras línguas: inglês, espanhol
Pai - língua materna: inglês. Outras línguas: português
Língua do país de residência: português
Sistema linguístico doméstico
Comunicação entre mãe e pai: inglês
Comunicação entre mãe e filho: inglês
Comunicação entre pai e filho: inglês
One parent, one language (OPOL)
No sistema OPOL cada um dos pais normalmente tem uma língua materna diferente e se comunica com a criança exclusivamente naquela língua, mesmo que se comunique com seu cônjuge em um idioma diferente. Para algumas famílias este é o único método aceitável, especialmente quando os pais não querem abrir mão do privilégio de se comunicar com os filhos em suas respectivas línguas maternas. Esse foi o método que usamos após o nascimento de nossa filha, como exemplificado a seguir.
Línguas envolvidas
Mãe - língua materna: português. Outras línguas: inglês, espanhol, francês, norueguês
Pai - língua materna: norueguês. Outras línguas: inglês, alemão
Língua do país de residência: inglês
Sistema linguístico doméstico
Comunicação entre mãe e pai: inglês
Comunicação entre mãe e filho: português
Comunicação entre pai e filho: norueguês
O método também pode ser usado quando um dos pais é fluente em duas línguas e escolhe falar com a criança naquela que não é sua língua materna. No Brasil está se tornando comum o chamado OPOL artificial, em que um dos pais, apesar de ser brasileiro e ter português como língua materna, se comunica com o filho exclusivamente em inglês, para que a criança desenvolva esta língua desde a infância. Por exemplo:
Línguas envolvidas
Mãe - língua materna: português. Não fala outras línguas
Pai - língua materna: português. Outras línguas: inglês
Língua do país de residência: português
Sistema linguístico doméstico
Comunicação entre mãe e pai: português
Comunicação entre mãe e filho: português
Comunicação entre pai e filho: inglês
Especialistas afirmam que a língua usada entre o pai e a mãe não tem influência no desenvolvimento linguístico da criança, a menos que seja também usada na comunicação direta com ela. Isso quer dizer que, no caso de uma familia morando na Inglaterra por exemplo, se o pai fala inglês com a criança e a mãe português, e o pai e a mãe se comunicam entre si em francês, a criança vai provavelmente aprender a falar inglês e português, mas não necessariamente francês.
OPOL algumas vezes também é chamado de ‘one person, one language’, pois a pessoa que ensina a língua à criança não tem que ser um dos pais; precisa apenas passar tempo suficiente com a criança para que haja a imersão necessária para desenvolvimento da língua. Por exemplo, uma criança pode aprender a falar uma língua estrangeira através do convívio com sua avó, ou com uma babá, que usa com a criança apenas a língua estrangeira em questão.
O método OPOL é extremamente efetivo em alguns casos, como no da nossa família, mas muitas vezes o seu uso pode resultar em crianças que têm apenas comando passivo da língua minoritária falada pelo pai/mãe. Isso ocorre quando o pai/mãe não proporciona uma experiência linguística rica o suficiente para o desenvolvimento da língua, ou quando o adulto não é consistente no uso do idioma, falando com a criança às vezes na língua do país de residência e outras vezes na língua minoritária. Sobre este assunto veja o post ‘Bilinguismo passivo - Quando a criança se recusa a falar português’.
Outros sistemas
Há uma variedade de outros sistemas possíveis, mas os dois acima são os que obtêm melhores resultados. No entanto, não existe receita de bilinguismo. Mesmo os dois sistemas mencionados acima podem não funcionar, dependendo das circunstâncias.
Cada família precisa encontrar o seu caminho, e a meu ver ser consistente é mais importante do que seguir fórmulas pré-determinadas. No entanto, parece existir uma regrinha importante: a melhor maneira de assegurar sucesso é adotar um sistema que possa ser usado de forma natural pela a família em questão.
Problemas
Mesmo os métodos recomendados por especialistas podem apresentar seus problemas.
No caso de OPOL, um problema frequente é a falta de equilíbrio na exposição às várias línguas. Se o único contato que a criança tem com uma língua minoritária é atraves de seu pai ou mãe, pode não haver estímulo suficiente para a língua se desenvolver, especialmente quando tanto o pai quanto a mãe entendem a língua do país de residência. A criança pode considerar a língua local mais importante que a minoritária, que passa a não ter valor para ela. Nesse caso é importante usar estratégias para aumentar o valor da língua minoritária (veja o post ‘Crianças bilíngues e o valor das línguas ’). Da mesma forma, se um dos pais não passa tempo suficiente com a criança, esta pode simplesmente não aprender a sua língua. Outro fator potencialmente problemático é um dos pais não entender a língua que o outro fala com a criança. Para uma discussão deste problema veja o post ‘Quando um dos pais não fala português’.
A menos que um dos pais no sistema OPOL se comunique com a criança na língua do país de residência, no caso de ambos os métodos descritos acima existe a possibilidade de a criança não dominar a língua do país de residência tão bem quanto outras crianças da mesma idade, pelo fato de sua língua dominante no ambiente doméstico ser outra, ou outras. Isso pode gerar uma certa ansiedade nos pais quando a criança começa a frequentar a escola. Geralmente uma criança nessa situação atinge o mesmo nível das monilíngues na língua majoritária a partir dos 5 anos de idade, mas poucos meses após começar a frequentar a escola os pequenos normalmente já se comunicam na língua do país de residência sem problema algum.
No caso de famílias que usam o método MLH, pode acontecer de os filhos preferirem se comunicar entre si na língua do país de residência, ou mesmo se recusarem totalmente a usar o idioma minoritário a partir de uma certa idade, o que pode causar muita frustração para os pais.
Dicas
Independentemente do método usado, deve haver consistência absoluta na sua aplicação. Esta regra é básica e se não for seguida dificilmente haverá sucesso.
O sistema escolhido deve ser introduzido o mais cedo possível, de preferência logo após o nascimento da criança.
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