Quando o pai e a mãe têm línguas maternas diferentes, a definição de que idiomas serão falados em casa é um fator importante na educação bilíngue dos filhos, mas pode ser um grande desafio para os pais.
Diferentes circunstâncias se aplicam a brasileiros morando fora do Brasil que estão tentando criar filhos bilíngues. De acordo com os idiomas a que a criança está exposta na rotina familiar, podemos dividir essas famílias em três grupos principais:
1. tanto o pai quanto a mãe são brasileiros, ou falam português fluentemente, e português é a única língua falada em casa.
2. somente um dos pais fala português, enquanto que o outro fala a língua do país de residência.
3. um dos pais fala português e o outro fala um terceiro idioma, que não é o do país de residência.
Das três, a primeira situação é a mais favorável do ponto de vista do aprendizado da língua portuguesa, pois apesar da criança estar exposta a uma outra língua fora de casa, dentro de casa a imersão na língua portuguesa é total. Fora de casa, a criança vai aprender o idioma local também por imersão, geralmente sem nenhum problema.
Nas duas últimas situações descritas acima, vários cenários diferentes podem existir, dependendo dos hábitos desenvolvidos por cada família.
Essas famílias são originariamente multilíngues e em geral vão encontrar uma maneira de definir como as várias línguas serão usadas no dia a dia. No entanto, a definição do sistema linguístico familiar pode depender de fatores existentes antes do nascimento dos filhos, para os quais o casal não dá muita atenção até o momento em que percebe que um sistema alternativo seria melhor.
Por exemplo, quando um casal multilíngue se acostuma a falar entre si em determinada língua antes de ter filhos, eles podem ter grande dificuldade para mudar este costume caso decidam mais tarde que há maiores benefícios para os filhos se eles falarem entre si em outro idioma. Segundo E. Harding and P. Riley em seu livro “The Bilingual Familiy”, é extremamente difícil mudar o idioma (ou idiomas) em que nos comunicamos com alguém uma vez que o hábito é formado. O idioma usado se torna uma definição do relacionamento. Mudar o idioma é como uma negação do passado. Quanto mais profundo o relacionamento, mais difícil é mudar, e muitos casais acham essa mudança impossível. Em teoria não existe nada que impeça essa mudança, mas na prática, segundo os autores, isso simplesmente não acontece.
Também segundo Harding e Riley, essa dificuldade em mudar o idioma de um relacionamento é a razão por que qualquer tentativa de criar filhos bilíngues que envolva uma mudança do idioma usado pelos pais para se comunicar entre si está fadada ao fracasso. Por exemplo, se um casal falante de alemão e inglês que vive na Inglaterra se comunica entre si em inglês, eles não vão conseguir mudar para alemão quando tiverem filhos. Isso não que dizer que eles não possam criar filhos bilíngues, apenas que o sistema específico (todos os membros da família falando alemão em casa todo o tempo) seria o mais difícil de estabelecer. Mas outros padrões estariam disponíveis, por exemplo o falante de alemão se comunicando com os filhos apenas em alemão, o falante de inglês apenas em inglês e o casal continuando a falar inglês entre si. Harding e Riley estressam que este ponto é importantíssimo, pois a falta de adaptação do padrão de bilinguismo ao sistema linguístico já existente entre o casal é a causa principal do fracasso de tentativas de criar filhos bilíngues.
Quando conheci meu marido eu havia acabado de me mudar para a Noruega e não falava norueguês (a língua materna dele). Nossa comunicação se dava em inglês, que era a única língua que tínhamos em comum. Mais tarde aprendi a falar norueguês, mas continuamos nos comunicando em inglês, apesar de durante um período após o nascimento de nossa filha termos conscientemente tentado mudar para norueguês. Por incrível que pareça, a tentativa fracassou principalmente (embora não unicamente) porque meu marido, que é falante nativo, não conseguia usar norueguês de forma natural e espontânea em sua comunicação comigo e tinha que ser constantemente lembrado do que estávamos tentando fazer. Decidimos então intercalar as duas línguas, usando norueguês de tempos em tempos para expor nossa filha ao idioma, mas a língua natural de nosso relacionamento continua sendo inglês.
Sistema linguístico e equilíbrio no relacionamento
De acordo com um especialista em comunicação que conhecemos em um seminário há alguns anos, esse fracasso em mudar o idioma usado entre nós foi um fato positivo para o nosso relacionamento. Segundo ele, eu e meu marido estamos em uma situação de igualdade, pois ambos usamos uma segunda língua para nos comunicarmos um com o outro. Se tivéssemos conseguido mudar para norueguês meu marido estaria em vantagem, porque a comunicação se daria em sua língua materna, enquanto eu estaria usando uma língua da qual não sou falante nativa.
No seu livro “Growing up with two languages”, Anna e Staffan Andersson descrevem um casal multilíngue que organiza sua rotina linguística de forma que um usa sua língua materna e outro não. O falante nativo vai ter que se comunicar com uma pessoa que provavelmente não tem total domínio da língua que está sendo usada. Segundo os pesquisadores, o casal vai naturalmente se acostumar ao sistema e não vai mais notar sotaque ou erros gramaticais. Até um certo ponto o falante não nativo vai aprender com o falante nativo, mas para muitos casais correções linguísticas frequentes atrapalham a comunicação no dia a dia. Se o falante não nativo não tiver motivação para melhorar seu domínio do idioma, por achá-lo adequado a suas necessidades, vai provavelmente continuar no mesmo nível, salvo algumas adições ao vocabulário. Isso se chama fossilização da língua.
Eis aí mais uma questão para as famílias multilíngues refletirem.
Quando um dos pais não fala português
Continuando no tema de definição do sistema linguístico familiar de casais multilíngues, num próximo post tratarei da situação em que um dos pais não fala a língua que o outro tenta ensinar aos filhos, um dos principais problemas na educação de filhos bilíngues dentro de famílias multilíngues.
Diferentes circunstâncias se aplicam a brasileiros morando fora do Brasil que estão tentando criar filhos bilíngues. De acordo com os idiomas a que a criança está exposta na rotina familiar, podemos dividir essas famílias em três grupos principais:
1. tanto o pai quanto a mãe são brasileiros, ou falam português fluentemente, e português é a única língua falada em casa.
2. somente um dos pais fala português, enquanto que o outro fala a língua do país de residência.
3. um dos pais fala português e o outro fala um terceiro idioma, que não é o do país de residência.
Das três, a primeira situação é a mais favorável do ponto de vista do aprendizado da língua portuguesa, pois apesar da criança estar exposta a uma outra língua fora de casa, dentro de casa a imersão na língua portuguesa é total. Fora de casa, a criança vai aprender o idioma local também por imersão, geralmente sem nenhum problema.
Nas duas últimas situações descritas acima, vários cenários diferentes podem existir, dependendo dos hábitos desenvolvidos por cada família.
Essas famílias são originariamente multilíngues e em geral vão encontrar uma maneira de definir como as várias línguas serão usadas no dia a dia. No entanto, a definição do sistema linguístico familiar pode depender de fatores existentes antes do nascimento dos filhos, para os quais o casal não dá muita atenção até o momento em que percebe que um sistema alternativo seria melhor.
Por exemplo, quando um casal multilíngue se acostuma a falar entre si em determinada língua antes de ter filhos, eles podem ter grande dificuldade para mudar este costume caso decidam mais tarde que há maiores benefícios para os filhos se eles falarem entre si em outro idioma. Segundo E. Harding and P. Riley em seu livro “The Bilingual Familiy”, é extremamente difícil mudar o idioma (ou idiomas) em que nos comunicamos com alguém uma vez que o hábito é formado. O idioma usado se torna uma definição do relacionamento. Mudar o idioma é como uma negação do passado. Quanto mais profundo o relacionamento, mais difícil é mudar, e muitos casais acham essa mudança impossível. Em teoria não existe nada que impeça essa mudança, mas na prática, segundo os autores, isso simplesmente não acontece.
Também segundo Harding e Riley, essa dificuldade em mudar o idioma de um relacionamento é a razão por que qualquer tentativa de criar filhos bilíngues que envolva uma mudança do idioma usado pelos pais para se comunicar entre si está fadada ao fracasso. Por exemplo, se um casal falante de alemão e inglês que vive na Inglaterra se comunica entre si em inglês, eles não vão conseguir mudar para alemão quando tiverem filhos. Isso não que dizer que eles não possam criar filhos bilíngues, apenas que o sistema específico (todos os membros da família falando alemão em casa todo o tempo) seria o mais difícil de estabelecer. Mas outros padrões estariam disponíveis, por exemplo o falante de alemão se comunicando com os filhos apenas em alemão, o falante de inglês apenas em inglês e o casal continuando a falar inglês entre si. Harding e Riley estressam que este ponto é importantíssimo, pois a falta de adaptação do padrão de bilinguismo ao sistema linguístico já existente entre o casal é a causa principal do fracasso de tentativas de criar filhos bilíngues.
Quando conheci meu marido eu havia acabado de me mudar para a Noruega e não falava norueguês (a língua materna dele). Nossa comunicação se dava em inglês, que era a única língua que tínhamos em comum. Mais tarde aprendi a falar norueguês, mas continuamos nos comunicando em inglês, apesar de durante um período após o nascimento de nossa filha termos conscientemente tentado mudar para norueguês. Por incrível que pareça, a tentativa fracassou principalmente (embora não unicamente) porque meu marido, que é falante nativo, não conseguia usar norueguês de forma natural e espontânea em sua comunicação comigo e tinha que ser constantemente lembrado do que estávamos tentando fazer. Decidimos então intercalar as duas línguas, usando norueguês de tempos em tempos para expor nossa filha ao idioma, mas a língua natural de nosso relacionamento continua sendo inglês.
Sistema linguístico e equilíbrio no relacionamento
De acordo com um especialista em comunicação que conhecemos em um seminário há alguns anos, esse fracasso em mudar o idioma usado entre nós foi um fato positivo para o nosso relacionamento. Segundo ele, eu e meu marido estamos em uma situação de igualdade, pois ambos usamos uma segunda língua para nos comunicarmos um com o outro. Se tivéssemos conseguido mudar para norueguês meu marido estaria em vantagem, porque a comunicação se daria em sua língua materna, enquanto eu estaria usando uma língua da qual não sou falante nativa.
No seu livro “Growing up with two languages”, Anna e Staffan Andersson descrevem um casal multilíngue que organiza sua rotina linguística de forma que um usa sua língua materna e outro não. O falante nativo vai ter que se comunicar com uma pessoa que provavelmente não tem total domínio da língua que está sendo usada. Segundo os pesquisadores, o casal vai naturalmente se acostumar ao sistema e não vai mais notar sotaque ou erros gramaticais. Até um certo ponto o falante não nativo vai aprender com o falante nativo, mas para muitos casais correções linguísticas frequentes atrapalham a comunicação no dia a dia. Se o falante não nativo não tiver motivação para melhorar seu domínio do idioma, por achá-lo adequado a suas necessidades, vai provavelmente continuar no mesmo nível, salvo algumas adições ao vocabulário. Isso se chama fossilização da língua.
Eis aí mais uma questão para as famílias multilíngues refletirem.
Quando um dos pais não fala português
Continuando no tema de definição do sistema linguístico familiar de casais multilíngues, num próximo post tratarei da situação em que um dos pais não fala a língua que o outro tenta ensinar aos filhos, um dos principais problemas na educação de filhos bilíngues dentro de famílias multilíngues.
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