A Dra. Elisabete Giusti é fonoaudióloga em São Paulo, especialista em linguagem infantil formada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Doutora em Linguística também pela Universidade de São Paulo. Entre outras coisas, ela mantém um site maravilhoso, cheio de informações sobre aquisição e desenvolvimento da linguagem e atraso no desenvolvimento da fala, que pode ser acessado aqui.
Fiquei muito feliz quando a Dra. Elisabete aceitou o meu convite para compartilhar um pouco de sua rica experiência com os leitores do blog. O post que publiquei em 2011 sobre atraso no desenvolvimento da fala é o mais lido de ‘Filhos Bilíngues’, portanto o assunto é de interesse para muitas famílias. A meu ver a mensagem mais importante para os pais aqui é que bilinguismo em si não causa atraso no desenvolvimento da fala.
Abaixo o excelente texto escrito pela Dra. Elisabete para os leitores de ‘Filhos Bilíngues’.
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Atraso no desenvolvimento da linguagem oral e bilinguismo
Por Elisabete Giusti
Muitas famílias vivenciam a experiência de serem bilíngues. Alguns autores até defendem a idéia de que hoje em dia, o bilinguismo não seja mais uma escolha da família, mas sim uma necessidade. Com a globalização é muito comum casais de diferentes nacionalidades constituírem uma família e quando chega um bebê, surgem algumas dúvidas, como por exemplo, que língua devemos falar com ele? A língua do papai, da mamãe ou apenas a língua do país de residência? Ou todas as línguas? Mas isso não irá confundí-lo?
Outra dúvida bastante frequente é: o bilinguismo não irá causar um atraso no desenvolvimento da fala e da linguagem? Muitos pais até iniciam o ensino bilíngue, mas no primeiro sinal de “confusão” ou até mesmo “lentidão” no desenvolvimento da fala, cessam e passam a falar a mesma língua ensinada na escola, por exemplo.
Sobre o atraso no desenvolvimento da fala e da linguagem, existem vários fatores que podem desencadeá-lo, como por exemplo, problemas auditivos (perdas auditivas), transtornos globais no desenvolvimento (quando a criança apresenta, além da dificuldade na fala, outras dificuldades, como pobre coordenação motora, dificuldade para resolver problemas práticos, não sabe brincar adequadamente, não compreende bem as instruções ou situações do dia-a-dia, não interage adequadamente, etc.). Problemas neurológicos e/ou genéticos também podem causar um atraso no desenvolvimento da fala. Além das causas orgânicas, existem também as causas ambientais como, por exemplo, a falta de estímulos adequados.
Existe também uma condição que pode justificar o atraso na fala, um quadro comum e que afeta muitas crianças: o Distúrbio Específico de Linguagem (Specific Language Impairment, SLI). Nestes casos, a criança é aparentemente normal, não possui nenhum problema, já realizou exames com resultados normais, no entanto, ela não consegue desenvolver adequadamente a linguagem oral. Atualmente acredita-se que o Distúrbio Específico de Linguagem ocorre devido a um funcionamento alterado em áreas responsáveis pelo processamento da linguagem no cérebro, é um desvio funcional e mesmo os exames mais convencionais para o estudo do cérebro como ressonância magnética ou tomografia, podem não detectar essas alterações.
De uma forma geral, crianças com Distúrbio Específico de Linguagem podem apresentar: atraso no aparecimento das primeiras palavras, dificuldade para combinar as palavras para formar frases, dificuldade na produção dos sons da fala (fala de difícil compreensão, com muitas trocas e omissões dos sons), dificuldade para aprender novas palavras (vocabulário restrito), dificuldade para relatar fatos, dificuldade para aprender as regras gramaticais, dificuldade para compreender piadas, duplo-sentido, linguagem figurada, dificuldade para contar uma história. Pode acontecer de outras pessoas da família ter dificuldades semelhantes.
Especificamente sobre o bilinguismo não existem evidências científicas que confirmem que seja uma causa de atraso no desenvolvimento da linguagem. O que pode acontecer é que a criança possui uma predisposição para apresentar um transtorno de linguagem (um Distúrbio Específico, por exemplo) e por isso, aparecem várias dificuldades, que podem ser erroneamente relacionadas ao bilinguismo.
Crianças com transtornos específicos no desenvolvimento da linguagem apresentarão dificuldades linguísticas independentemente de quantas e de quais línguas são faladas em casa ou na escola.
Um outro aspecto que também é importante é que para aprender uma língua, a criança precisa de estímulos, de modelos e de um ambiente linguisticamente rico. Os pais devem conversar bastante e naturalmente com seus filhos, devem valorizar suas iniciativas de comunicação, devem ensinar novas palavras, devem brincar, ler muitas histórias, cantar, ver filmes, enfim devem valorizar a comunicação de uma forma ampla e prazerosa.
Se houver ansiedade, cobrança excessiva, insegurança na relação dos pais com a criança, isso poderá desencadear algumas dificuldades, inclusive um atraso no desenvolvimento da fala e da linguagem. O aprendizado de uma língua também deve fazer sentido para a criança, ou seja, aprender uma língua não é apenas conhecer palavras, frases ou “falar como o papai ou a mamãe”. Uma língua deve ser ensinada com todos os seus valores e cultura. Deve ser uma ferramenta para novas descobertas, trocas e vivências significativas.
“A principal ferramenta que a criança precisa para adquirir a linguagem é VOCÊ!” (K. Apel, PhD, First Three Years)
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