Desde que comecei a escrever este blog conheci muita gente interessante mundo afora, especialmente mães brasileiras criando filhos bilíngues. Uma dessas mães, a Dani do Mamães na Itália, me entrevistou recentemente para o seu blog. Achei o resultado bem informativo, pois imagino que muitos pais possam ter as mesmas dúvidas que a Dani, e portanto decidi reproduzir a entrevista aqui em Filhos bilíngues também. Espero que gostem.
Esta primeira pergunta pode parecer um tanto tola, mas acredito que muitas pessoas não têm idéia do que realmente é bilinguismo, portanto, como você definiria bilinguismo e multilinguismo?
A pergunta não é tola, absolutamente, até porque não existe uma definição de bilinguismo universalmente aceita. Eu pessoalmente defino bilinguismo como a habilidade de falar fluentemente duas línguas. “Fluentemente” é um termo relativo, que a meu ver significa falar o suficiente para se comunicar de uma maneira competente e natural, em que a conversação “flui”. Na verdade acho que fluência tem mais a ver com o fato de a pessoa se comunicar com seguraça, mesmo que cometa erros. Há pessoas que falam duas línguas como se fossem falantes nativas, como minha filha com português e inglês, e outras que, apesar de terem sotaque e cometerem erros graves, eu também consideraria fluentes. A habilidade de ler e escrever nas respectivas línguas não é essencial para definir uma pessoa como bilíngue. No blog trato principlamente do bilinguismo infantil, que traz inúmeras vantagens, e que é um presente dos pais para os filhos, pois não envolve esforço especial algum por parte da criança. Multilinguismo é um termo mais amplo, que uso para cobrir bilinguismo, trilinguismo (habilidade de falar três línguas) e poliglotismo (habilidade de falar quatro ou mais línguas).
Você divide os pais de filhos bilíngues em 3 categorias: 1. tanto o pai quanto a mãe são brasileiros, ou falam português fluentemente, e português é a única língua falada em casa; 2. somente um dos pais fala português, enquanto que o outro fala a língua do país de residência; 3. um dos pais fala português e o outro fala um terceiro idioma, que não é o do país de residência. No primeiro caso, você diz que é mais fácil introduzir o filho no mundo do bilinguismo, já que os pais falam português em casa e na rua o filho aprenderia por imersão. No entanto, qual conselho você daria para aqueles pais que acabam caindo na “Síndrome Passione”? Uso essa expressão em referência à novela Passione da Globo, em que alguns personagens italianos falam também português, mas tudo misturado em uma única frase. Entende-se o que eles querem dizer, mas eles acabam formando uma terceira língua que não é nem o português, nem o italiano. Às vezes parece inevitável introduzir alguns termos da língua do país no cotidiano dentro do lar - isso gera muita confusão para o aprendizado da criança?
Um adulto só pode ensinar uma criança a falar bem uma língua se ele mesmo a falar corretamente. Ou seja, se o adulto mistura as línguas a criança também vai misturar. Quando estão aprendendo a falar mais de um idioma os pequenos sempre misturam um pouco no princípio, mas quando os adultos falam suas respectivas línguas corretamente a criança logo aprende a separá-las. Um certo grau de transferência de vocabulário de uma língua para outra às vezes é inevitável sim, como palavras que não têm uma tradução fácil para o outro idioma, mas na medida do possível isso deve ser evitado, para não confundir a criança. Se você quer que seu filho seja bilíngue, esforce-se para falar em bom português com ele.
Ainda no caso de pais brasileiros no exterior, você fala sobre a valorização do português. Quais estratégias são aconselhadas?
Basicamente a criança tem que associar o idioma a coisas que ela gosta e entender que precisa usar a língua para ter acesso a elas. Estratégias que menciono no blog vão desde viagens ao Brasil até frequentar escolinhas de português no país de residência.
Como se dariam essas estratégias no caso de pais que estão nas categorias 2 e 3?
A meu ver não há diferença. Se apenas um dos pais fala português ele deve desenvolver as estratégias da mesma forma que faria se os dois falassem a língua.
Em seus textos você fala sobre a dificuldade de criar um filho bilíngue quando os pais têm idiomas maternos diferentes ou quando um deles fala uma língua que não é a do país de residência. Neste caso é de extrema importância criar uma rotina linguística, haver apoio e consciência do casal na educação bilíngue do filho. Você poderia compartilhar um pouco da sua experiência prática na criação de sua filha? Quais foram os momentos marcantes? Houve momentos de desânimo? Existiu apoio ou algum empecilho por parte de familiares quanto a sua filha aprender o norueguês ou o português?
Sempre tivemos apoio de nossas famílias no Brasil e na Noruega para ensinar as duas línguas para nossa filha, pois de outra forma ela não seria capaz de se comunicar com os parentes. Quanto a como as coisas aconteceram na prática, há uma palavra que resume tudo: naturalmente. Nunca forçamos nada. Sempre falei português com ela porque era o que sentia ser natural, e sempre conseguimos expô-la naturalmente ao norueguês o suficiente para que ela ganhasse competência também nessa língua. Como os vários idiomas foram sempre apenas parte do cenário de nossa história, não consigo pensar em momentos marcantes ou de desânimo relacionados especificamente ao desenvolvimento linguístico de nossa filha.
Você percebeu alguma diferença em sua filha em relação as crianças da mesma idade na época de começar a falar?
Ela começou a falar cedo, mas as três línguas se desenvolveram em velocidades bem distintas. De qualquer forma, sempre tentei evitar comparações, porque com crianças multilíngues as coisas acontecem de um modo diferente das crianças monolíngues.
Segundo a reportagem da Veja que você indicou, o ideal é alfabetizar o filho bilíngue em cada um dos idiomas em épocas diferentes para não cair no erro da salada mista de línguas. Como foi sua experiência na alfabetização do português-inglês com sua filha?
Não sou professora ou especialista em alfabetização, e nem pretendo dar orientação sobre esse assunto, mas no caso de nossa filha ela estava totalmente alfabetizada em inglês quando começou - sozinha - a ler e escrever em português. Ainda não escrevi sobre isso no blog, mas foi fantástico. Claro que ela tinha tido muito estímulo até ali, mas nunca tinha sido alfabetizada formalmente. Com base puramente no meu instinto e na minha experiência prática, não vejo vantagem alguma em alfabetizar uma criança simultaneamente em duas línguas, nem razão de ter pressa em alfabetizar numa segunda língua. O importante é que na infância a criança ganhe fluência oral nos vários idiomas, aproveitando a facilidade natural que tem nesta idade.
Por que é importante conscientizar a criança do valor do bilinguismo? Quais erros não cometer?
A meu ver isso ajuda a desenvolver ainda mais as vantagens cognitivas que o blinguismo dá a ela, pois a criança passa a entender melhor os mecanismos envolvidos no processo. Ela vai se interessar mais por outras línguas também. Seria um grande erro permitir que a criança associe o bilinguismo a fatores negativos, como pobreza ou discriminação.
Pela sua experiência, você acha que educar uma criança em línguas irmãs do português, como italiano, espanhol, francês, seria um problema? Principalmente no caso da alfabetização, onde a escrita de algumas palavras é muito semelhante e a troca de uma ou outra letra pode ser um erro grosseiro, como o caso da palavra “próximo” em português e “prossimo” em italiano.
Não tenho experiência nesse sentido mas imagino que deva haver problemas, sim. Especialmente nesses casos, meu instinto diz que seria melhor esperar ainda mais para alfabetizar na segunda língua, para permitir à criança aprender a escrever bem num dos idiomas primeiro e só então introduzir o segundo. Mas, como disse, não sou especialista nessa área.
Você gostaria de deixar algum incentivo para os pais que estão nessa busca do bilinguismo?
Bilinguismo infantil é algo natural, que “acontece” com a criança se as circunstâncias forem favoráveis. A função dos pais é tentar criar essas circunstâncias. Nunca compare seu filho com outras crianças nem dê ouvidos a críticas de amigos ou professores. Toda criança vai aprender a língua do país onde vive mais cedo ou mais tarde. Se você conseguir dar a seu filho um mínimo de intimidade com outro idioma você vai estar lhe fazendo um grande favor - mesmo que o resultado não seja perfeito, pois na prática ele raramente o é.