segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Entrevista sobre educação bilíngue

Desde que comecei a escrever este blog conheci muita gente interessante mundo afora, especialmente mães brasileiras criando filhos bilíngues. Uma dessas mães, a Dani do Mamães na Itália, me entrevistou recentemente para o seu blog. Achei o resultado bem informativo, pois imagino que muitos pais possam ter as mesmas dúvidas que a Dani, e portanto decidi reproduzir a entrevista aqui em Filhos bilíngues também. Espero que gostem.


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Esta primeira pergunta pode parecer um tanto tola, mas acredito que muitas pessoas não têm idéia do que realmente é bilinguismo, portanto, como você definiria bilinguismo e  multilinguismo?

A pergunta não é tola, absolutamente, até porque não existe uma definição de bilinguismo universalmente aceita. Eu pessoalmente defino bilinguismo como a habilidade de falar fluentemente duas línguas.  “Fluentemente” é um termo relativo, que a meu ver significa falar o suficiente para se comunicar de uma maneira competente e natural, em que a conversação “flui”. Na verdade acho que fluência tem mais a ver com o fato de a pessoa se comunicar com seguraça, mesmo que cometa erros. Há pessoas que falam duas línguas como se fossem falantes nativas, como minha filha com português e inglês, e outras que, apesar de terem sotaque e cometerem erros graves, eu também consideraria fluentes. A habilidade de ler e escrever nas respectivas línguas não é essencial para definir uma pessoa como bilíngue.  No blog trato principlamente do bilinguismo infantil, que traz inúmeras vantagens, e que é um presente dos pais para os filhos, pois não envolve esforço especial algum por parte da criança.  Multilinguismo é um termo mais amplo, que uso para cobrir bilinguismo, trilinguismo (habilidade de falar três línguas) e poliglotismo (habilidade de falar quatro ou mais línguas).

Você divide os pais de filhos bilíngues em 3 categorias:  1. tanto o pai quanto a mãe são brasileiros, ou falam português fluentemente, e português é a única língua falada em casa;  2. somente um dos pais fala português, enquanto que o outro fala a língua do país de residência;  3. um dos pais fala português e o outro fala um terceiro idioma, que não é o do país de residência. No primeiro caso, você diz que é mais fácil introduzir o filho no mundo do bilinguismo, já que os pais falam português em casa e na rua o filho aprenderia por imersão. No entanto, qual conselho você daria para aqueles pais que acabam caindo na “Síndrome Passione”? Uso essa expressão em referência à novela Passione da Globo, em que alguns personagens italianos falam também português, mas tudo misturado em uma única frase. Entende-se o que eles querem dizer, mas eles acabam formando uma terceira língua que não é nem o português, nem o italiano. Às vezes parece inevitável introduzir alguns termos da língua do país no cotidiano dentro do lar - isso gera muita confusão para o aprendizado da criança?

Um adulto só pode ensinar uma criança a falar bem uma língua se ele mesmo a falar corretamente. Ou seja, se o adulto mistura as línguas a criança também vai misturar. Quando estão aprendendo a falar mais de um idioma os pequenos sempre misturam um pouco no princípio, mas quando os adultos falam suas respectivas línguas corretamente a criança logo aprende a separá-las. Um certo grau de transferência de vocabulário de uma língua para outra às vezes é inevitável sim, como palavras que não têm uma tradução fácil para o outro idioma, mas na medida do possível isso deve ser evitado, para não confundir a criança. Se você quer que seu filho seja bilíngue, esforce-se para falar em bom português com ele.

Ainda no caso de pais brasileiros no exterior, você fala sobre a valorização do português. Quais estratégias são aconselhadas?

Basicamente a criança tem que associar o idioma a coisas que ela gosta e entender que precisa usar a língua para ter acesso a elas. Estratégias que menciono no blog vão desde viagens ao Brasil até frequentar escolinhas de português no país de residência.

Como se dariam essas estratégias no caso de pais que estão nas categorias 2 e 3?

A meu ver não há diferença. Se apenas um dos pais fala português ele deve desenvolver as estratégias da mesma forma que faria se os dois falassem a língua.

Em seus textos você fala sobre a dificuldade de criar um filho bilíngue quando os pais têm idiomas maternos diferentes ou quando um deles fala uma língua que não é a do país de residência. Neste caso é de extrema importância criar uma rotina linguística, haver apoio e consciência do casal na educação bilíngue do filho. Você poderia compartilhar um pouco da sua experiência prática na criação de sua filha? Quais foram os momentos marcantes? Houve momentos de desânimo? Existiu apoio ou algum empecilho por parte de familiares quanto a sua filha aprender o norueguês ou o português?

Sempre tivemos apoio de nossas famílias no Brasil e na Noruega para ensinar as duas línguas para nossa filha, pois de outra forma ela não seria capaz de se comunicar com os parentes.  Quanto a como as coisas aconteceram na prática, há uma palavra que resume tudo: naturalmente. Nunca forçamos nada. Sempre falei português com ela porque era o que sentia ser natural, e sempre conseguimos expô-la naturalmente ao norueguês o suficiente para que ela ganhasse competência também nessa língua.  Como os vários idiomas foram sempre apenas parte do cenário de nossa história, não consigo pensar em momentos marcantes ou de desânimo relacionados especificamente ao desenvolvimento linguístico de nossa filha.

Você percebeu alguma diferença em sua filha em relação as crianças da mesma idade na época de começar a falar?

Ela começou a falar cedo, mas as três línguas se desenvolveram em velocidades bem distintas. De qualquer forma, sempre tentei evitar comparações, porque com crianças multilíngues as coisas acontecem de um modo diferente das crianças monolíngues.

Segundo a reportagem da Veja que você indicou, o ideal é alfabetizar o filho bilíngue em cada um dos idiomas em épocas diferentes para não cair no erro da salada mista de línguas. Como foi sua experiência na alfabetização do português-inglês  com sua filha?

Não sou professora ou especialista em alfabetização, e nem pretendo dar orientação sobre esse assunto, mas no caso de nossa filha ela estava totalmente alfabetizada em inglês quando começou - sozinha - a ler e escrever em português. Ainda não escrevi sobre isso no blog, mas foi fantástico. Claro que ela tinha tido muito estímulo até ali, mas nunca tinha sido alfabetizada formalmente.  Com base puramente no meu instinto e na minha experiência prática, não vejo vantagem alguma em alfabetizar uma criança simultaneamente em duas línguas, nem razão de ter pressa em alfabetizar numa segunda língua. O importante é que na infância a criança ganhe fluência oral nos vários idiomas, aproveitando a facilidade natural que tem nesta idade.

Por que é importante conscientizar a criança do valor do bilinguismo? Quais erros não cometer?

A meu ver isso ajuda a desenvolver ainda mais as vantagens cognitivas que o blinguismo dá a ela, pois a criança passa a entender melhor os mecanismos envolvidos no processo. Ela vai se interessar mais por outras línguas também. Seria um grande erro permitir que a criança associe o bilinguismo a fatores negativos, como pobreza ou discriminação.

Pela sua experiência, você acha que educar uma criança em línguas irmãs do português, como italiano, espanhol, francês, seria um problema? Principalmente no caso da alfabetização, onde a escrita de algumas palavras é muito semelhante e a troca de uma ou outra letra pode ser um erro grosseiro, como o caso da palavra “próximo” em português e “prossimo” em italiano.

Não tenho experiência nesse sentido mas imagino que deva haver problemas, sim. Especialmente nesses casos, meu instinto diz que seria melhor esperar ainda mais para alfabetizar na segunda língua, para permitir à criança aprender a escrever bem num dos idiomas primeiro e só então introduzir o segundo. Mas, como disse, não sou especialista nessa área.

Você gostaria de deixar algum incentivo para os pais que estão nessa busca do bilinguismo?

Bilinguismo infantil é algo natural, que “acontece” com a criança se as circunstâncias forem favoráveis. A função dos pais é tentar criar essas circunstâncias. Nunca compare seu filho com outras crianças nem dê ouvidos a críticas de amigos ou professores. Toda criança vai aprender a língua do país onde vive mais cedo ou mais tarde. Se você conseguir dar a seu filho um mínimo de intimidade com outro idioma você vai estar lhe fazendo um grande favor  - mesmo que o resultado não seja perfeito, pois na prática ele raramente o é

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Duas novidades interessantes



Conforme mencionei no meu último post, adicionei uma lista de links ao blog para ajudar no desenvolvimento linguístico das crianças. Recentemente incluí dois links novos na lista, que merecem ser mencionados num post.


O primeiro eu descobri totalmente por acaso. Leitores blogueiros saberão que recebemos informação quando um site direciona um usuário para o nosso através de um link. Ontem notei que um site com um nome interessantíssimo havia direcionado usuários para o meu: Respostas Fantásticas para Perguntas Intrigantes. Fui lá ver do que se tratava e fiquei encantada – e super feliz pelo site ter um link para Filhos bilíngues. Não conheço o autor, mas lendo o blog descobri que o Pedro é um futuro pai cheio de imaginação que resolveu escrever o blog para o filho que está por vir. Pedro conta que quando era criança era muito chato. Perguntava tudo, o porquê, o como, tudo, e sua mãe, apesar de ter alguma paciência de explicar algumas coisas, por razões que conhecemos bem, muitas vezes respondia simplesmente “porque sim”. Pedro, no entanto, quer dar uma explicação para tudo o que seu filho perguntar. E mais: quer dar uma resposta fantástica, que estimule a criatividade da criança, que crie um universo mágico à sua volta. E no blog ele usa a imaginação para montar uma “mitologia infantil” rica o suficiente para que seu filho tenha uma infância fantástica. Os textos vão provavelmente prender a atenção até das crianças mais relutantes em ouvir estórias em português. Vale a pena conferir. Eu e minha filha adoramos.


O outro link adicionado à lista eu descobri depois de receber uma dica da Lucia Johns, Coordenadora Geral da ABCD - Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Criança Bilíngue, de Sidney, na Austrália. O Linguee é um dicionário bilíngue, que funciona de uma forma super interessante. Um programa de computador "web crawler" procura automaticamente sites bilíngues na internet. Assim que reconhecidos, deles são extraídas expressões e palavras. Um algoritmo de aprendizagem automática avalia então a qualidade dos textos e seleciona os exemplos de frases de melhor qualidade para serem incluídos no site. Linguee é uma ferramenta de busca de traduções para a língua escolhida: você procura uma palavra ou expressão e encontra pares de frases que contêm o que você busca em combinação exata ou parcial na língua para a qual programou a busca. Linguee não é uma ferramenta de tradução, portanto, não é possível traduzir automaticamente textos inteiros, mas como possui centenas de vezes mais material traduzido do que qualquer outro dicionário online e porque a maioria do material é constituída de frases completas traduzidas por seres humanos, buscas não precisam se limitar a palavras soltas, mas termos compostos, expressões e até mesmo frases podem ser usados. A versão inglês-português foi lançada em agosto de 2010. Obrigada pela dica, Lucia!



terça-feira, 23 de novembro de 2010

Atividades para desenvolver a linguagem das crianças

A linguagem tem um papel importante no desenvolvimento cognitivo e social das crianças, portanto os pais devem estimular a capacidade de seus filhos de fazer uso dela. Para que esse processo seja bem sucedido, o ideal é que haja um ambiente linguisticamente rico em casa.

Adicionei uma pequena lista de links ao blog, que pode ajudar na criação de um meio mais estimulante para o desenvolvimento da linguagem dos pequenosOs sites são todos educativos, mas com conteúdos variados, direcionados a crianças de praticamente todas as faixas etárias. Todos foram considerados com cuidado antes de serem colocados na lista.

Dependendo da idade da criança, em muitos desses sites os pais podem deixá-la navegar livremente, descobrindo jogos, atividades, vídeos, músicas e curiosidades - tudo em português, o que com certeza vai aumentar seu interesse pela língua. No entanto, recomendo que os pais naveguem os sites antes de dar acesso a seus filhos, para se familiarizar com seus conteúdos e poder desenvolver e sugerir atividades, e ao mesmo tempo se satisfazer de que o material é apropriado para a fase de desenvolvimento em que se encontra a criança.

Sempre que possível os pais devem acompanhar o processo e adicionar a ele um elemento de interatividade, conversando sobre a atividade que está sendo desenvolvida, notando detalhes, dando explicações, fazendo perguntas, e assim por diante.

Parte das matérias disponíveis em alguns dos sites é direcionada especificamente aos pais, como artigos e dicas. Há também muito material que os pais podem imprimir e usar para interagir com a criança longe do computador, como histórias para serem lidas para ela ou por ela, e outras atividades que auxiliam no desenvolvimento da linguagem oral, da escrita ou simplesmente da consciência linguística.

Divirtam-se!

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sábado, 20 de novembro de 2010

Bolsas de estudo para o ensino médio na Inglaterra

A maioria das escolas particulares na Inglaterra oferece ajuda financeira para pagamento de mensalidades.

Na Inglaterra todas as escolas particulares primárias e secundárias cobram mensalidades, mas o valor varia muito de escola para escola. Estes são alguns valores típicos (por ano) cobrados em 2009:
Escolas primárias
£6.000 a £11.250
Escolas secundárias
£7.500 a £18.000



Muitas pessoas pensam em bolsas de estudo apenas quando vão para a universidade ou fazem pós-graduação. No entanto, no Reino Unido escolas particulares primárias e secundárias oferecem várias formas de ajuda financeira a estudantes. Atualmente cerca de um quarto de todos os alunos em escolas particulares no país têm alguma forma de assistência financeira para pagar as mensalidades, num valor total de mais de 225 milhões de libras por ano.

Essa ajuda financeira é dada principalmente através de dois veículos: bolsas de estudo e bursaries. Neste post vou tratar de bolsas de estudo e num próximo tratarei de bursaries, que são uma forma de financiamento para famílias de baixa renda.

Bolsas de estudo

Bolsas de estudo são geralmente concedidas por bom desempenho acadêmico ou por bom desempenho em áreas como música, artes, esportes ou alguma outra especialidade. Um aluno que recebe uma bolsa de estudo tem que ter desempenho acima da média na área em questão durante o período de validade da bolsa, ou seja, ao aceitar uma bolsa o aluno se obriga a manter um determinado padrão de desempenho. Se o padrão não for mantido ele pode perder a bolsa.

Escolas secundárias tendem a oferecer bolsas na admissão de alunos no 7° ano e no 9° ano. Bolsas também são oferecidas no início do Sixth Form. Normalmente candidatos têm que fazer uma prova específica, que difere de escola para escola, e se submeter a entrevistas. 
Bolsas de estudo não levam em conta a situação financeira do aluno, sua origem ou classe social. O valor das bolsas varia bastante, indo desde 5% até um máximo, em geral, de 50% da mensalidade e outros custos. 

As bolsas são dadas pelas escolas com o objetivo de atrair talento. As League Tables, que comparam os resultados de cada escola em testes padronizados, são um grande incentivo para as instituições tentarem atrair crianças com talento acadêmico, mas a maioria também dá muito valor a outras áreas, o que enriquece grandemente o ambiente escolar.

Deve-se notar, no entanto, que uma criança não tem que ser um gênio para conseguir uma bolsa de estudo. Afinal, o mundo está cheio é de crianças normais! Se seu filho é aplicado, tem bons resultados ou um talento especial em áreas como música, esportes ou artes, e você gostaria que ele estudasse em uma escola particular, vale a pena considerar a possibilidade de ele obter uma bolsa de estudo. Dá algum trabalho, mas é compensador.

Informações e detalhes sobre bolsas disponíveis devem ser obtidos diretamente de cada escola.

Pesquise, pesquise, pesquise!

Se você pesquisar vai encontrar ofertas interessantes (e até algumas inusitadas), como por exemplo as seguintes:

- Wycliffe College em Gloucestershire tem uma bolsa de estudo para “um vegetariano com qualidades de caráter, promessa de liderança e talento esportivo”. (Fico imaginando como será o processo de seleção para essa bolsa...). Mas parece que eles não estão tendo muita procura: veja http://www.guardian.co.uk/education/mortarboard/2009/feb/12/vegetarian-scholarship-school.

- Crianças que moram num raio de 10 milhas da Rugby Clock Tower têm direito a bolsas de estudo preferenciais para Rugby School em Warwickshire.

- Jogadores de xadres talentosos podem concorrer a bolsas de estudo especiais em escolas como Millfield em Somerset e Ampleforth College em York.

- Licensed Victuallers School em Ascot oferece ajuda financeira de até 100% das mensalidades a filhos de pessoas que trabalham na indústria de bebidas, inclusive funcionários de bares.

- Escolas de coristas são escolas que têm uma ênfase especial em canto coral religioso. Estão geralmente ligadas a uma catedral, igreja ou capela, onde o coral da escola canta, como por exemplo St. Paul's, Westminster, Durham e Christchurch. Essas escolas não educam exclusivamente coristas: cerca de 15 mil alunos estudam nas 44 escolas coristas do Reino Unido, mas apenas cerca de 1.000 são coristas. Tony Blair, por exemplo, frequentou a escola corista em Durham, mas não foi ele próprio um corista. A grande maioria dessas escolas é particular, e a mensalidade dos coristas selecionados é subsidiada ou gratuita. A admissão ocorre normalmente quando as crianças ainda estão na escola primária.

- Music and dance scheme é um programa do Departamento de Música e Dança do governo britânico que atualmente dá a cerca de 1.600 crianças excepcionalmente talentosas acesso a escolas secundárias especializadas em música e dança, que também oferecem uma boa formação acadêmica. Maiores detalhes no site http://www.dcsf.gov.uk/mds/.

Pesquise - e boa sorte!


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Bilinguismo – De volta ao futuro

Uma história real de bilinguismo, da época em que o fluxo migratório era na outra direção.

Meus avós paternos eram poloneses que emigraram para o Brasil no início do século 20. Não conheci meu avô, mas minha avó falava português com um forte sotaque.



Meu pai foi uma criança bilíngue. Ele nasceu no Brasil e cresceu numa colônia polonesa no Paraná, onde todos falavam apenas polonês. Até entrar na escola, aos 7 anos, ele não falava uma palavra sequer de português. Mesmo sem conhecimento algum da língua que iria usar pelo resto da vida, meu pai foi para a escola feliz e satisfeito e após pouco tempo se tornou um dos melhoes alunos da turma, sempre muito aplicado (e olha que naquele tempo os professores simplesmente colocavam as crianças que não falavam português na última fila e deixavam que se virassem). Mudou-se depois para Curitiba, formou-se em Direito e Jornalismo, deu aulas de português numa faculdade durante muitos anos, fundou um jornal e teve uma carreira brilhante como advogado. Depois de deixar a colônia teve apenas contatos esporádicos com a língua polonesa, mas continuou fluente.
  
A história de meu pai é interessante porque ele aprendeu polonês no Brasil, numa colônia de imigrantes que tinham saído da Polônia no início do século passado e não tinham mais tido contato com seu país de origem. Consequentemente, essas pessoas ensinaram a seus filhos nascidos no Brasil o polonês falado na Polônia no início do século 20; os filhos que seguiram morando na colônia por sua vez ensinaram a seus rebentos a língua que haviam aprendido com os pais, e assim por diante.

Mais de 70 anos depois da ida desses imigrantes para o Brasil, meu pai resolveu finalmente conhecer a Polônia. Eu morava na Noruega na época, e meus pais vinham me visitar uma vez por ano. Numa dessas visitas estenderam a viagem até a Polônia e vários outros países do leste Europeu.

Durante a estadia na Polônia meu pai teve uma experiência muito interessante. Como ele falava polonês fluentemente, esta foi a língua usada durante toda a viagem. Mas muito rapidamente ele percebeu que algo não estava certo.

Apesar de não ter consciência disso, meu pai falava um polonês antigo, cheio de palavras que tinham caído em desuso há muito tempo, e as pessoas estavam achando aquilo extraordinário. Era como se alguém chegasse em São Paulo hoje falando o português usado em 1920. Da mesma forma, inúmeras palavras haviam sido incorporadas à língua polonesa, as quais meu pai desconhecia totalmente. Outra coisa incrível: só durante a estadia na Polônia ele se deu conta de que não sabia que palavras usar em polonês pra se referir a certas coisas com as quais não tinha tido contato na infância, como por exemplo televisão, pois na época em que aprendera polonês televisões simplesmente não existiam. E nessa lista entravam muitas outras palavras como computador, aeroporto, e por aí afora.

Sou fascinada por essa história porque acho que contém uma lição importante para nós que somos o principal ponto de contato entre a língua de nosso país de origem e nossos filhos. Línguas têm vida, evoluem, mudam – e cada vez mais rápido. Precisamos entender esse mecanismo e ficar atentos para que o português seja sempre um elemento dinâmico e significativo dentro do mundo em que vivem nossos filhos.







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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Crianças bilíngues e o valor do bilinguismo

No meu último post falei sobre o valor das línguas, um ingrediente essencial do sucesso do bilinguismo. No entanto, a fórmula do sucesso tem mais um ingrediente: a valorização do bilinguismo pela própria criança.

É importante que uma criança bilíngue tenha ela mesma consciência dos benefícios do bilinguismo. Esses benefícios são muitos, e podemos mencionar aqui alguns exemplos.

O bilinguismo infantil traz certas vantagens cognitivas, ou seja, ele promove o desenvolvimento intelectual da criança de várias maneiras, como por exemplo desenvolvendo o entendimento abstrato e a capacidade de criar novos conceitos. A criança tende a ser mais criativa, tem melhor desempenho acadêmico, maior habilidade em atividades que envolvam matemática, lógica e comunicação. Aprender mais de uma língua na infância também facilita o aprendizado de outros idiomas, pois desenvolve na criança a consciência da estrutura e do funcionamento das línguas. Há também benefícios para o seu vocabulário, fonologia, sintaxe e leitura.




Quando seu filho tiver um pouquinho de maturidade, tente passar para ele a idéia de que o bilinguismo lhe traz grandes vantagens e que ele é privilegiado por ter a oportunidade de aprender dois (ou mais) idiomas e conhecer duas (ou mais) culturas de uma maneira tão natural. Explique que saber português além do idioma local vai ajudar em várias matérias na escola e que vai fazer com que seja muito mais fácil aprender outras línguas no futuro. Fale de forma positiva do fato de certas pessoas serem multilíngues, especialmente as famosas e bem-sucedidas.

Enfatize as vantagens de falar uma língua latina, aponte as similaridades com outros idiomas, como italiano, francês e espanhol. Alguns anos atrás minha filha chegou da escola um dia e pediu para me mostrar uma coisa que tinha descoberto. A sua turma estava tendo aulas sobre dinossauros. Naquele dia eles tinham aprendido sobre o Oviraptor, que roubava os ovos dos outros dinossauros, e ela tinha entendido que era exatamente esse o significado do nome dele:  “Mamãe, o nome dele quer dizer ovo/raptar, roubar ovos!!”. Ela tinha acabado de entender que palavras em várias línguas têm raiz latina, que geralmente é igual à raiz da palavra em português. Cosequentemente ela desenvolveu um vocabulário em inglês muito mais sofisticado que o de seus amiguinhos monolíngues. Hoje ela é capaz de deduzir o significado de palavras que para a grande maioria das crianças inglesas da idade dela são um mistério, e tem total consciência da vantagem de ter essa habilidade, que é decorrente do fato de ela ser fluente em português.

Todas as vezes que viajamos a países de língua latina eu peço a minha filha que preste atenção e veja se entende alguma coisa do que as pessoas dizem. Desde pequena ela sempre consegue pegar uma palavra aqui, outra ali. Também procuro ensinar algumas expressões na língua local, como “até logo” e “obrigada”, que geralmente ela passa a usar com sucesso durante a viagem. Ela não vê línguas estrangeiras como barreiras; muito pelo contrário, tem interesse em aprendê-las, pois tem consciência das vantagens do multilinguismo. Eu demonstro muito orgulho pelo bom ouvido dela para línguas e explico que isso é consequência de ela já ser trilíngue.

Sempre demonstre orgulho do bilinguismo de seu filho, mas evite duas coisas:
1.  Não peça que seu filho demonstre suas habilidades para outras pessoas. Nunca.
2.  Não use seu filho como intérprete, mesmo que seu inglês não seja muito bom. Isso pode fazer com que ele o veja como incapaz. 

Internacionalismo

Comunicação é crucial para a valorização e compreensão de outras culturas. Falar mais de um idioma permite à criança entender melhor o que eu chamo de internacionalismo (não gosto de usar a palavra “multiculturalismo”, pois o termo foi sequestrado pelo politicamente correto).  A criança vai perceber que o mundo é um lugar onde existem muitos países e que em cada um desses países as pessoas têm linguas, tradições e costumes próprios, e o que parece ser diferente para uma pessoa na Inglaterra pode ser muito normal para alguém em outro país. No mundo globalizado em que vivemos, existe uma enorme vantagem em entender essas diferenças, e a criança deve estar ciente disso. A pessoa que tem raízes internacionais e conhece o estilo de vida de diversos países entende essas diferenças e pode desfrutar das coisas boas de várias culturas.  

Os pais devem evitar criticar os costumes do país de residência, pois é bom para a criança ver que apesar de serem estrangeiros eles estão bem adaptados ao estilo de vida local, ou seja, que o internacionalismo funciona. Demonstre sempre tolerância e respeito às diferenças - as crianças aprendem principalmente pelo exemplo. Isso pode ajudar a evitar que depois de uma certa idade seu filho rejeite suas raízes internacionais e passe a falar apenas a língua do país de residência, como ocorre com alguns adolescentes

Também é importante mencionar constantemente exemplos positivos de pessoas famosas, bem sucedidas ou que a criança admire que também tenham uma herança internacional. Por exemplo, o Vice-Primeiro Ministro britânico, Nick Clegg, é somente ¼ inglês: sua mãe é holandesa nascida na Indonésia e seu pai também é filho de estrangeiros. Nick cresceu num lar bilíngue, com o pai falando inglês e a mãe holandês. Hoje ele fala inglês, holandês, espanhol, francês e alemão – e é casado com uma espanhola.  Preste atenção, pesquise. Quando encontrar um bom exemplo de internacionalismo não deixe de mencionar para seu filho. Faça isso já na próxima vez que Nick Clegg aparecer na televisão.

Posts futuros

As sugestões neste e no post Crianças bilíngues e o valor das línguas obviamente não são exaustivas. Artigos futuros vão trazer mais idéias de formas de se valorizar a língua portuguesa e o bilinguismo, mas as sugestões que estão nestes dois posts provavelmente são um excelente começo.


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Veja também Crianças bilíngues e o valor das línguas



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