terça-feira, 9 de novembro de 2010

Crianças bilíngues e o valor das línguas

Um ingrediente essencial do sucesso na transmissão de uma língua para uma criança é o valor dessa língua para ela, ou seja, os benefícios que a criança percebe que o idioma traz, as pessoas e culturas a que dá acesso.

Quando estamos tentando ensinar a nossos rebentos um idioma que não é o falado no país onde vivemos, o ideal é que a criança veja essa “outra” língua como uma ferramenta para acessar uma parte no mínimo interessante de sua vida, e não apenas como “uma língua que a mamãe (ou o papai) fala”.  Quando expostas a mais de um idioma, crianças percebem muito rapidamente o valor de cada um deles e decidem se o esforço de usá-los vale a pena ou não. Como elas sempre fazem o que é mais fácil, se inglês cobrir todas as situações que lhes interessam não haverá nenhum incentivo para falar outra língua.



Então de alguma forma precisamos mostrar a nossos filhos que a língua portuguesa tem um valor especial, e que há muitos benefícios em saber falá-la. Mas como fazer isso?

O primeiro ponto importante é que pra ser efetivo, o processo de valorização da língua tem que se tornar parte da rotina familiar desde muito cedo, e deve ser contínuo durante toda a infância e parte da adolescência.

A tarefa normalmente é mais fácil quando tanto o pai quanto a mãe são brasileiros.  No entanto, o fato de ambos serem brasileiros por si só não é garantia de que a criança queira seguir falando português depois de entrar na escola se ela formar um círculo social composto apenas de pessoas que falam a língua do país de residência. Quando atingem uma certa idade, algumas crianças se recusam a continuar falando a língua usada em casa, mesmo se usada por ambos os pais, porque percebem que isso as torna diferentes dos outros à sua volta. Isso geralmente ocorre quando a língua não é suficientemente valorizada.

Valorização da linguagem em si

O ideal é que haja um ambiente linguisticamente rico em casa, com boa música, livros e muitas oportunidades para se sentar e conversar demoradamente com a criança. Leia MUITO para seu filho, desenvolvendo assim sua compreensão e seu vocabulário.

Pesquisas demonstram que um ambiente linguisticamente rico em casa facilita muito a alfabetização da criança, mesmo que esta ocorra em outra língua. Ou seja, se os livros, conversas, etc., aos quais você expõe seu filho em casa são em português, e seu filho começa a ser alfabetizado na escola em inglês, a experiência linguística doméstica em português vai ser um fator positivo para a alfabetização em inglês. Esta foi exatamente a experiência da nossa família. Se a criança valoriza comunicação em geral, vai ter mais interesse e facilidade em desenvolver atividades relacionadas à linguagem em qualquer idioma.

Algumas sugestões práticas para aumentar o valor da língua portuguesa

Lembre-se que aqui estamos tratando de estratégias para a criança se interessar pela língua portuguesa, não para ela aprendê-la. As duas coisas são um pouco difíceis de separar, pois em geral o aprendizado ocorre naturalmente durante o processo de valorização, mas a pergunta aqui é: o que devo fazer para que meu filho queira falar português? Como posso mostrar a ele que a língua tem um valor especial?

Uma ferramenta muito poderosa para valorização do português é a televisão brasileira, tanto que planejo tratar exclusivamente deste tema em um post futuro. De qualquer forma, e por mais que alguns especialistas não gostem da idéia, filmes e desenhos em português ajudam sim, não só a aprender a língua, mas também a valorizá-la. Por exemplo, se o desenho animado que a criança adora só passa em português, ou se seu personagem favorito fala português nos filmes, aí está um grande incentivo para ela se interessar pela língua.

Contato com parentes e amigos no Brasil é absolutamente essencial, desde a mais tenra idade. A língua deve ser associada a pessoas que a crianca gosta e quanto mais pessoas melhor. Incentive os avós, tios, etc., a falar apenas em português com seu filho, mesmo que eles saibam falar a língua do seu país de residência. Receba o maior número possível de hóspedes brasileiros e peça que mesmo estando em seu país de residência eles continuem falando apenas em português com você e seu filho. Use skype ou outra forma de vídeo-link para seu filho conversar constantemente com parentes e amigos no Brasil. Comunicação com a família na Noruega foi a força motora da motivação da nossa filha para aprender norueguês, pois sua avó, tios-avós e tios norueguese não falam inglês.

Como a língua deve ser associada a pessoas que a criança gosta, se você precisa contratar uma babá, o ideal é contratar uma brasileira, e dar instruções claras para que fale apenas português com seu filho.

Vá ao Brasil com seu filho sempre que puder e fique o maior tempo possível. Se seu filho ainda não está na escola e você tem flexibilidade de tirar férias em qualquer época, pode se valer de promoções aéreas e viajar por um preço bem reduzido. Antes de minha filha entrar na escola íamos as duas ao Brasil geralmente duas vezes por ano. É importantíssimo para a criança conhecer bem esse “outro mundo”, onde absolutamente tudo acontece em português. Isso também vai moldar a aptidão multicultural do seu filho e estreitar os laços com a familia no Brasil.

As escolinhas e grupos de pais brasileiros no exterior também têm um papel muito importante no processo de valorização da língua, conforme explicado em detalhe no post O papel das escolinhas no aprendizado de português na infância. Se você não tem um grupo perto de onde mora, tente conhecer brasileiros na sua região, para que seu filho tenha contato com outras pessoas que também moram no seu país de residência e falam português.

Procure maneiras de seu filho ter contato com cultura brasileira na sua cidade. Londres oferece uma variedade de oportunidades: churrascarias, workshops de samba, capoeira, exposições e shows de artistas brasileiros, etc. Participe de promoções organizadas pela comunidade brasileira.

Adolescentes

As estratégias sugeridas acima se aplicam principalmente a crianças mais novas, mas os pais devem também continuar vigilantes e seguir estimulando os filhos durante a adolescência, uma época em que o processo de valorização deve render frutos, pois na adolescência muitas crianças deixam de falar um idioma aprendido na infância. Não baixe a guarda! A melhor tática nessa fase, além de seguir visitando o Brasil com frequência, é incentivar seu filho a ter muito contato com pessoas da mesma idade que moram no Brasil. Comunicação via internet, partilha de músicas, vídeos e outras novidades de seus respectivos países são ótimas maneiras de sustentar o interesse da criança pela cultura e estilo de vida do Brasil – e consequentemente pela língua portuguesa.

Copyright © Claudia Storvik, 2010. All rights reserved.


22 comentários:

Unknown disse...

Concordo com voce Claudia! Eu acho lindo o seu blog! Minha filha tem 3 anos, e o meu marido nao fala portuguese! Eu tenho certeza que seu blog vai nos ajudar muito! Parabens! - Joanna

Claudia Storvik disse...

Ola Joanna, muito obrigada pelo comentario e por se tornar seguidora. Fico muito feliz que tenha gostado do blog. Claudia

Lydia Bianco disse...

Oi! tudo bem! achei o massimo o seu blog, voce vai me ajudar muito! Obrigada! x

Claudia Storvik disse...

Oi Lydia, obrigada por virar seguidora. Fico feliz que tenha gostado do blog. Claudia

Renata C., UMA EXPATRIADA (mulher moderna, esposa, mãe...) disse...

Este assunto é realmente muito importante e sempre é tema de debate entre nossas amigas expatriadas. Aqui, fallamos Portugues em casa e Ingles na Rua. mas há muitos brasileirinhos que crescem sem falar (bem ou mal) a lingua patria quando ficam muito tempo fora do país...
Preisamos ficar atentos!
Mas, é evidente que aprendendo de forma natural e empirica, como os nossos aqui, em escola internacionnal, fica muitissimo mais facil incrementar uma nova lingua e agragar valor ao futuro deles.
Bjs!

Claudia Storvik disse...

Obrigada pelos comentários e por se tornar seguidora, Renata. Muito interessante seu blog sobre a experiência de sua família na Tailândia. Já estivemos aí em férias e adoramos, mas morar nesse país tão diferente do Brasil deve ser meio complicado. Boa sorte, e mantenha contato! Claudia

Márcia disse...

AMEI o seu blog! Faz tempo que procuro alguma coisa assim. Moro em Boston e meu filho nasceu aqui. Ele tem apenas 2 aninhos e falamos português com ele o tempo todo porque achamos essencial que ele aprenda nossa língua.

D. disse...

OI Claudia, prazer ter conhecido seu blog. Meu marido e eu somos brasdileiros, moramos na italia e recentemente nasceu nosso filho. Lendo este seu artigo me surgiram diversas duvidas que fiquei com vontade de lhe entrevistar (para meu blog), o que voce acha?
Parabéns pelo seu trabalho, com certeza vai ajudar muitos pais.

Claudia Storvik disse...

Ola, Marcia. Muito obrigada pelos comentários. Siga falando português com seu filho – ele vai aprender inglês rapidinho quando entrar na escola, não se preocupe. Espero que continue lendo o blog e quem sabe no futuro se torne uma seguidora. Um abraço, Claudia.

Claudia Storvik disse...

Oi, Dani. Obrigada pela mensagem e por se tornar uma seguidora. Terei muito prazer em contribuir pro seu blog, que achei super informativo. Vou entrar em contato por email prá gente combinar os detalhes. Um abraço, Claudia

Renata C., UMA EXPATRIADA (mulher moderna, esposa, mãe...) disse...

Oi, muito prazer em conhecer o seu BLOG e o que vc escreve! Fiz um link lá no meu direcionando pra cá, OK? Espero que não se importe.
Meu abraço.
Renata C., UMA ESPOSA EXPATRIADA

Claudia Storvik disse...

Olá Renata, muito obrigada pelo link. Fico feliz que tenha gostado e espero que volte sempre. De vez em quando também passo no seu blog. Um abraço, Claudia

Bina USA disse...

To chegando agora no seu blog e estou amando!Vou te seguir com toda a certeza!
Somos um casal de brasileiros, mas moramos nos EUA, temos planos de ter filhos aqui, mas me apavoro quando penso em qual lingua falar com as criancas.
Ainda ontem escrevi sobre isso no meu blog. Quero mto que eles aprendam portugues, mas tbm gostaria que interagissem com nossos amigos americanos. Me arrepio soh em pensar!hih

Muitissimo obrigada, otimo post e excelente blog.
Beijinhos.
Bina

Claudia Storvik disse...

Ola Bina, obrigada pelo comentario e por se tornar seguidora. Li seu post e acho que a informacao disponivel aqui no blog vai ser bem util pra voce. Um abraco, Claudia

Anônimo disse...

Oi Claudia, uma pessoa recomendou seu blog pra mim e estou encantada! Tenho uma filhinha de 3 anos e meio, eu sou Brasileira e o pai dela e Welsh. Ela vai na creche a semana inteira e eu acabo falando com ela so em Ingles (que vergonha). Mas quero muito que ela aprenda portugues, portanto vou continuar a fazer esse esforco. Nao deve ser muito tarde pra ela ne??

Claudia Storvik disse...

Ola, obrigada pelo comentario. Claro que nao eh tarde. O importante eh ser consistente e falar sempre em portugues com ela. Boa sorte! Um abraco, Claudia

Daniele disse...

Claudia, descobri seu blog hoje e confesso que estou amando tudo que encontro por aqui. Eu e meu marido moramos no Brasil, mas ambos somos fluentes em inglês. Já conversamos sobre isso e decidimos que nosso filho (estou grávida de sete meses)ouvirá apenas inglês dentro de casa. Peço perdão se estou fazendo perguntas que já foram respondidas em outras postagens, mas minha duvida é sobre como devemos agir por exemplo, num ambiente onde todos falam português. Deixe-me tentar explicar melhor. Digamos que estamos na casa dos meus sogros. Todos falam em português, inclusive eu e meu marido. Quando formos nos dirigir a criança, devemos fazê-lo em inglês? Pensando aqui com meus botões creio que no futuro isso pode causar o bilinguismo passivo pois meu filho estará ciente de que os pais falam português... O que fazer?

Claudia Storvik disse...

Ola Daniele, obrigada pelo comentario. Como em tantas outras situacoes relacionadas a bilinguismo, aqui nao existe uma regra fixa, cada um age da sua maneira. Voce tem que seguir seu instinto e decidir o que eh melhor para o seu filho. Um abraco, Claudia

Anônimo disse...

Me chamo danielle também, eu estou passando por isso aqui.. Tenho um menino de 1 ano e 7 meses e em casa só eu falo inglês com ele, Todos da família inclisive meu marido só falam português, daí tenho medo que ele só seja passivo, na rua e em outros lugares é muito complicado mais tento esclarecer meus objetivos e até agora tento me manter fiel a eles. Gostaria de trocar experiências, saber como vc está conseguindo, pois pra mim tem sido difícil, se quiser avise que trocaremos e-mails. Boa Sorte!

Anônimo disse...

Temos uma situação parecida aqui em casa: minha mulher e eu falamos português e inglês com nosso filho, hoje com 5 meses. Temos livros infantis nos dois idiomas e esperamos que o Theo cresça, no mínimo, interessado em aprender melhor o segundo idioma. Boa sorte e parabéns aos pais e mães que procuram permitir o bilinguismo aos filhos.

Anônimo disse...

E parabéns à Claudia pelo blog maravilhosamente escrito e riquíssimo em informações sobre este tema.

Unknown disse...

Cara colega,
Parabéns por sua iniciativa em prol da língua portuguesa e da cultura brasileira. É importante dar uma change à todas as crianças brasileiras, vivendo pelo mundo afora, a oportunidade de aprenderem a falar e a escrever o português do Brasil. Aqui, em Paris tenho lutado para isso, apesar de certos docentes franceses serem contra à essa iniciativa. Tranmiti minha língua e minha cultura para os filhos e netos, e hoje, eles me agradecem. screvi dois livros, para que todas as crianças que moram longe das cidades grandes, tenham a mesma opotunidade. Não se trata de um método, mas, de uma ferramenta de auxílio para docentes e discentes.
Continue seu trabalho, contra ventos e marés, que mais tarde, havemos colher os frutos dos nossos esforços.
Cordialmente.
Prof. lamartine Bião Oberg (www.biaobresil.com) explicações gramaticais na rubrica "grammaire" pelo gramático Evaí Oliveira"

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