Além de minha filha, os três filhos de meu irmão e a filha de minha irmã são bilíngues. Hoje vou contar aqui a história de minha sobrinha Maria, que é um ano mais nova que minha filha.
Maria nasceu no Brasil e lá viveu até os três anos. Frequentou um jardim de infância na sua cidade natal dos dois aos três anos de idade.
Logo após Maria completar três anos, seus pais se mudaram para a Inglaterra para fazer uma pós-graduação. Ela veio com eles. A rapidez com que a pequena aprendeu inglês, bem como o processo como esse aprendizado se deu, diante dos nossos olhos, foram surpreendentes.
Quando aqui chegou, Maria não falava uma palavra sequer de inglês, mas tinha muita vontade de aprender, pois sua priminha mais velha (minha filha) falava inglês fluentemente e ela também queria falar. A família passou a morar num apartamento ao lado de nossa casa, e estávamos sempre em contato. Em casa todos falávamos português, com exceção de meu marido, que se comunicava com todos em inglês. O contato de Maria com a língua inglesa em casa era portanto mínimo.
No entanto, algmas semanas depois de sua chegada, Maria começou a frequentar a “nursery” na mesma escola onde minha filha estudava. Começava uma revolução.
Alguns dias após começar a frequentar a escola, Maria passou a emitir sons quando brincava sozinha, quase que como um bebê balbuciando, mas esse balbuciar soava como alguém falando frases na língua inglesa, algo como “out wra-row get-wey!”. A sua profesora, nossa querida Mrs Roberts, nos contou que muitas vezes Maria fazia isso na sala de aula e quando ela ia ver o que a menina estava dizendo - pois parecia estar falando inglês - percebia que se tratava apenas desse balbuciar com sotaque...
Um incidente engraçado ocorreu no dia em que Maria de repente passou a dizer insistentemente para a professora: “Lps! Lps! Lps!” Sem entender o que ela queria dizer, a professor chamou minha filha para traduzir. Minha filha perguntou a Maria – em português - o que ela queria, ao que obteve a resposta: “Lps!”. Disse então à pobre Mrs Roberts – que a essa altura já suava em bicas - que não tinha idéia do que Maria queria, pois também não estava falando português. Demos boas risadas quando minha filha nos contou a história, e até hoje não sabemos o que Maria queria dizer com “Lps!”.
Após algum tempo a pequena passou a falar frases inteiras em inglês – sem ter passado por uma fase em que falasse palavras soltas. No entanto, era claro que apesar de dizer as frases perfeitamente com um lindo sotaque britânico, Maria não tinha idéia do que estava dizendo. As frases eram obviamente aquelas que ela ouvia com mais frequência na escola. Nessa fase a observávamos falando inglês com meu marido, mas usando frases totalmente fora de contexto. Um exemplo de um diálogo típico seria:
Meu marido: “How are you today?”
Maria: “Let’s play now.”
Meu marido: “Have you had dinner?”
Maria: “Well done!”
No entanto, muito rapidamente Maria passou a dominar o significado das palavras e frases e se tornou capaz de se comunicar em inglês de maneira muito eficiente. Seis meses após ter chegado na Inglaterra já se podia dizer que ela era bilíngue.
Maria ficou na Inglaterra quatro anos, passou a falar inglês como nativa, e após algum tempo começou a ter problemas com o português, tanto que se tivesse uma opção ela geralmente preferia falar inglês ao invés de português. Em resumo, o inglês havia se tornado sua língua dominante.
Para nós, a experiência de ver diariamente o processo de aprendizado de uma língua estrangeira por uma criança de três anos foi uma coisa interessantíssima. A facilidade, rapidez e naturalidade com que o aprendizado se deu surpreenderam a todos. A meu ver, o processo não foi de todo diferente de como aprendemos uma primeira língua: praticamos os sons daquela língua, nos familiarizamos com um grande número de palavras sem necessariamente saber seu significado e então partimos para a comunicação efetiva. A capacidade de aprendizado das crianças é realmente fenomenal.
A história da volta de Maria ao Brasil, com um inglês muito melhor que o português, também é muito interessante, mas é assunto para um outro post.
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