segunda-feira, 4 de abril de 2011

Third culture kids

"Sou brasileiro e minha esposa é francesa. Nosso filho nasceu e viveu na Austrália até os 9 anos, quando nos mudamos para os Estados Unidos, onde moramos atualmente.”

O relato acima lhe soa familiar? Bem-vindo ao clube de pais de 'third culture kids'!

O termo ‘third culture kids’ (crianças de terceira cultura, ou TCKs) foi cunhado nos anos 60 pela pesquisadora Ruth Hill Useem, que estudava crianças que cresciam expostas a duas ou mais culturas, entre as quais seus próprios filhos. Segundo Useem, crianças que vivem em um país de cultura diferente da sua se tornam parte de uma ‘terceira cultura’, que é mais que simplesmente uma mistura das várias culturas a que estão expostas.



Useem definiu uma criança de terceira cultura como uma pessoa que passou uma parte significativa de sua infância ou adolescência fora da cultura de seus pais. A pessoa constrói relações com todas as culturas, mas ao mesmo tempo não pertence realmente a nenhuma delas. Apesar de assimilar elementos de cada cultura à sua experiência, a TCK tem mais afinidade com outras TCKs do que com as culturas a que esteve exposta.

Segundo estudiosos, dois fatores são cruciais para uma criança se tornar uma TCK: crescer num ambiente ‘cross-cultural’ e ter alta mobilidade.

O termo ‘cross-cultural’ foi introduzido pelos pesqisadores Pollock e van Reken para explicar que ao invés de observar culturas, como ocorre com expatriados adultos, a TCK de fato vive as várias culturas a que está exposta.

Os pesquisadores também afirmam que o fator mobilidade diferencia as TCKs de filhos de imigrantes, por exemplo, pelo fato da TCK não ter expectativa de se estabelecer permanentemente no local onde vive. No entanto, muitas pessoas que se identificam com o perfil de TCKs não vêm de famílias com alta mobilidade. Geralmente essas pessoas cresceram cross-culturalmente de outra maneira, por exemplo como filhos de imigrantes ou refugiados, de casais biculturais ou birraciais, ou foram adotadas internacionalmente. Apesar dos estudos sobre TCKs se concentrarem em famílias com alto grau de mobilidade, suas conclusões provavelmente podem ser aplicadas também a muitas dessas outras crianças igualmente expostas a experiências cross-culturais.

Características
A seguir, algumas das característcas de TCKs descritas pelos pesquisadores:
-        Dominam vários idiomas
-        São altamente adaptáveis
-        Têm a mente aberta
-        Estão livres de estereótipos raciais
-        Entendem diferenças culturais
-        São socialmente maduras e independentes
-        Adolescentes são mais maduros que a média mas tendem a demorar mais para sair da adolescência
-        Adultos que foram TCKs têm mais sucesso na vida acadêmica e profissional do que a população em geral
-        Adultos que foram TCKs divorciam-se menos que a média da população, mas casam mais tarde (25+)

O desenvolvimento num ambiente ‘cross-cultural’ faz com que a criança incorpore as várias culturas profundamente no seu processo de raciocínio, o que a torna uma verdadeira pensadora multicultural. Essa lógica multicultural naturalmente influencia a maneira como a criança se relaciona com o mundo à sua volta e a torna diferente dos membros das várias culturas a que está exposta, mesmo as mais assimiladas por ela, num fenômeno conhecido como ‘jet lag cultural’. 

Esse jet lag cultural pode gerar problemas de identidade. Algumas TCKs se tornam ultra nacionalistas com relação a um país, enquanto outras se autodenominam cidadãs globais. As dificuldades encontradas por algumas dessas crianças podem afetar sua saúde física e emocional, à medida que elas tentam determinar sua identidade cultural e seu lugar no mundo. Alguns problemas que podem vir a ocorrer são dificuldade de relacionamento, comportamento antissocial, apatia, ansiedade social e depressão leve.

Por outro lado, TCKs geralmente se tornam indivíduos independentes e cosmopolitas, predispostos ao sucesso devido à sua visão de mundo única que, além de facilitar carreiras em áreas como relações internacionais e administração, com frequência se manifesta através de uma inclinação a desenvolver atividades artísticas e criativas, como música, literatura, design, marketing, etc, em que uma certa distância dos modelos sociais e culturais convencionais são uma grande vantagem.

A família
Os pesquisadores traçaram também um perfil típico de famílias que produzem TCKs. Essas famílias são em geral bem sucedidas acadêmica e profissionalmente e intactas, ou seja, os pais normalmente não são separados ou divorciados. Os membros da família têm relacionamentos muito próximos, pois o núcleo familiar tende a ser a única unidade social constante para a criança. Eles têm também grande dependência psicológica uns dos outros, de uma maneira que não ocorre com famílias geograficamente estáticas. Segundo esses estudiosos, a força dessas ligações familiares opera em benefício da criança quando a comunicação entre ela e os pais é boa e a dinâmica familiar é sadia, mas pode ser devastadora quando esse não é o caso.

Ligação com outras TCKs  
A ligação existente entre TCKs é dificil de explicar. Para elas, ‘cultura’ é algo defindo por experiências semelhantes e não por nacionalidade ou etnicidade. Consequentemente, elas tendem a ter mais em comum e a se relacionar com mais facilidade com pessoas dessa terceira cultura, independentemente de nacionalidade, do que com pessoas da cultura de seus pais (a primeira) ou do país onde vivem (a segunda). Uma TCK que cresceu na Inglaterra, por exemplo, compartilha essa terceira cultura com TCKs que cresceram na Indonesia, no Brasil ou na África do Sul.

TCKs adultas
Quando TCKs crescem, elas se tornam ‘adult third culture kids’ (ATCKs), ou TCKs adultas.  Muitas ATCKs estão hoje em posições de poder, prestígio e influência, como por exemplo Barack Obama, que é filho de mãe americana e pai queniano, nasceu no Havaí e viveu parte de sua infância na Indonésia.

A capacidade desses indivíduos de ver as coisas de forma diferente e inovadora é altamente valorizada - mas ao mesmo tempo temida por aqueles que desejam preservar visões e idéias mais tradicionais.  Segundo Ann Baker Cottrell, professora de sociologia da San Diego State University, este é o futuro. “TCKs estão nos mostrando o caminho, e nós estamos tentando segui-las”.  


Copyright © Claudia Storvik, 2011. All rights reserved.  

 


6 comentários:

Alexsandra Ribeiro disse...

Interessantissima a materia! De utilidade publica!! Vi meu filho em muitas dessas situacoes, Claudia. De alguma forma, tambem me tranquilizou saber que, alguns comportamentos dele nao sao incomuns, como por exemplo: nao se identificar tanto com a cultura brasileira (p minha tristeza), mas, se identificar com culturas de varios outros paises...Alias, isso e' uma coisa que eu e o pai dele questionamos muito... Alexsandra

Nina disse...

Oi Cláudia, que interessante. Crianca que cresce assim de fato, tem outra visao do mundo. Sabe que meus filhos, apesar de estarem aqui só há pouco mais de três anos, já tem outra visao das coisas?? Tem contato com tanta gente de culturas diferentes e sabem lidar com respeito com todos, adoro isso!

Cláudia, Laura vai fazer o texto sim, ela só pediu um pouco de paciência sua, é que ela diz que nao pode forcar a criatividade pra escrever :-) Assim que essa tal criatividade chegar, ela te envia o texto, ok?

Um beijo

Momi disse...

Claudia, nossa filha nasceu e sempre viveu no UK mas acho que por ter pais estrangeiros, cada um de uma nacionalidade, ela desenvolveu problemas de identidade. Ela ja e adolescente e se sente diferente dos outros. Nao sabemos como lidar com isso, se puder escrever outros posts sobre esse problema ficaremos gratos.

VivBird disse...

O problema do identidade cultural e mesmo uma realidade para muitos filhos de imigrantes ou casais de nacionalidades diferentes, especialmente se (como eu), cresceram em paises diferentes. Porem, seu texto me vez ver como e realmente uma experiencia profundadmente bicultural resulta em uma maneira unica de pensar. Quando estiver com dificuldades em lidar com meu multi-culturalismo, vou procurar me concentrar nas vantagens que voce descreveu acima. Obrigada pelo post, Claudia! :)

Anne disse...

Olá Claudia, também sou brasileira, tenho uma filha nascida na Noruega e outra em Portugal e as duas estudam em escola americana, a mais velha já lê e escreve muito bem em inglês e português e não têm qualquer problema em serem bilíngues. Gostei muito do seu blog, faço mestrado sobre as questões relacionadas com Third Culture Kids e é bom saber que cada vez mais pessoas estão a par desta realidade. Abraços!

Paloma Varón disse...

Cláudia, que post maravilhoso este. Li, reli, mandei para o marido ler. Enfim, muito bom ler isso.
Beijos

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