segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Entrevista sobre educação bilíngue

Desde que comecei a escrever este blog conheci muita gente interessante mundo afora, especialmente mães brasileiras criando filhos bilíngues. Uma dessas mães, a Dani do Mamães na Itália, me entrevistou recentemente para o seu blog. Achei o resultado bem informativo, pois imagino que muitos pais possam ter as mesmas dúvidas que a Dani, e portanto decidi reproduzir a entrevista aqui em Filhos bilíngues também. Espero que gostem.


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Esta primeira pergunta pode parecer um tanto tola, mas acredito que muitas pessoas não têm idéia do que realmente é bilinguismo, portanto, como você definiria bilinguismo e  multilinguismo?

A pergunta não é tola, absolutamente, até porque não existe uma definição de bilinguismo universalmente aceita. Eu pessoalmente defino bilinguismo como a habilidade de falar fluentemente duas línguas.  “Fluentemente” é um termo relativo, que a meu ver significa falar o suficiente para se comunicar de uma maneira competente e natural, em que a conversação “flui”. Na verdade acho que fluência tem mais a ver com o fato de a pessoa se comunicar com seguraça, mesmo que cometa erros. Há pessoas que falam duas línguas como se fossem falantes nativas, como minha filha com português e inglês, e outras que, apesar de terem sotaque e cometerem erros graves, eu também consideraria fluentes. A habilidade de ler e escrever nas respectivas línguas não é essencial para definir uma pessoa como bilíngue.  No blog trato principlamente do bilinguismo infantil, que traz inúmeras vantagens, e que é um presente dos pais para os filhos, pois não envolve esforço especial algum por parte da criança.  Multilinguismo é um termo mais amplo, que uso para cobrir bilinguismo, trilinguismo (habilidade de falar três línguas) e poliglotismo (habilidade de falar quatro ou mais línguas).

Você divide os pais de filhos bilíngues em 3 categorias:  1. tanto o pai quanto a mãe são brasileiros, ou falam português fluentemente, e português é a única língua falada em casa;  2. somente um dos pais fala português, enquanto que o outro fala a língua do país de residência;  3. um dos pais fala português e o outro fala um terceiro idioma, que não é o do país de residência. No primeiro caso, você diz que é mais fácil introduzir o filho no mundo do bilinguismo, já que os pais falam português em casa e na rua o filho aprenderia por imersão. No entanto, qual conselho você daria para aqueles pais que acabam caindo na “Síndrome Passione”? Uso essa expressão em referência à novela Passione da Globo, em que alguns personagens italianos falam também português, mas tudo misturado em uma única frase. Entende-se o que eles querem dizer, mas eles acabam formando uma terceira língua que não é nem o português, nem o italiano. Às vezes parece inevitável introduzir alguns termos da língua do país no cotidiano dentro do lar - isso gera muita confusão para o aprendizado da criança?

Um adulto só pode ensinar uma criança a falar bem uma língua se ele mesmo a falar corretamente. Ou seja, se o adulto mistura as línguas a criança também vai misturar. Quando estão aprendendo a falar mais de um idioma os pequenos sempre misturam um pouco no princípio, mas quando os adultos falam suas respectivas línguas corretamente a criança logo aprende a separá-las. Um certo grau de transferência de vocabulário de uma língua para outra às vezes é inevitável sim, como palavras que não têm uma tradução fácil para o outro idioma, mas na medida do possível isso deve ser evitado, para não confundir a criança. Se você quer que seu filho seja bilíngue, esforce-se para falar em bom português com ele.

Ainda no caso de pais brasileiros no exterior, você fala sobre a valorização do português. Quais estratégias são aconselhadas?

Basicamente a criança tem que associar o idioma a coisas que ela gosta e entender que precisa usar a língua para ter acesso a elas. Estratégias que menciono no blog vão desde viagens ao Brasil até frequentar escolinhas de português no país de residência.

Como se dariam essas estratégias no caso de pais que estão nas categorias 2 e 3?

A meu ver não há diferença. Se apenas um dos pais fala português ele deve desenvolver as estratégias da mesma forma que faria se os dois falassem a língua.

Em seus textos você fala sobre a dificuldade de criar um filho bilíngue quando os pais têm idiomas maternos diferentes ou quando um deles fala uma língua que não é a do país de residência. Neste caso é de extrema importância criar uma rotina linguística, haver apoio e consciência do casal na educação bilíngue do filho. Você poderia compartilhar um pouco da sua experiência prática na criação de sua filha? Quais foram os momentos marcantes? Houve momentos de desânimo? Existiu apoio ou algum empecilho por parte de familiares quanto a sua filha aprender o norueguês ou o português?

Sempre tivemos apoio de nossas famílias no Brasil e na Noruega para ensinar as duas línguas para nossa filha, pois de outra forma ela não seria capaz de se comunicar com os parentes.  Quanto a como as coisas aconteceram na prática, há uma palavra que resume tudo: naturalmente. Nunca forçamos nada. Sempre falei português com ela porque era o que sentia ser natural, e sempre conseguimos expô-la naturalmente ao norueguês o suficiente para que ela ganhasse competência também nessa língua.  Como os vários idiomas foram sempre apenas parte do cenário de nossa história, não consigo pensar em momentos marcantes ou de desânimo relacionados especificamente ao desenvolvimento linguístico de nossa filha.

Você percebeu alguma diferença em sua filha em relação as crianças da mesma idade na época de começar a falar?

Ela começou a falar cedo, mas as três línguas se desenvolveram em velocidades bem distintas. De qualquer forma, sempre tentei evitar comparações, porque com crianças multilíngues as coisas acontecem de um modo diferente das crianças monolíngues.

Segundo a reportagem da Veja que você indicou, o ideal é alfabetizar o filho bilíngue em cada um dos idiomas em épocas diferentes para não cair no erro da salada mista de línguas. Como foi sua experiência na alfabetização do português-inglês  com sua filha?

Não sou professora ou especialista em alfabetização, e nem pretendo dar orientação sobre esse assunto, mas no caso de nossa filha ela estava totalmente alfabetizada em inglês quando começou - sozinha - a ler e escrever em português. Ainda não escrevi sobre isso no blog, mas foi fantástico. Claro que ela tinha tido muito estímulo até ali, mas nunca tinha sido alfabetizada formalmente.  Com base puramente no meu instinto e na minha experiência prática, não vejo vantagem alguma em alfabetizar uma criança simultaneamente em duas línguas, nem razão de ter pressa em alfabetizar numa segunda língua. O importante é que na infância a criança ganhe fluência oral nos vários idiomas, aproveitando a facilidade natural que tem nesta idade.

Por que é importante conscientizar a criança do valor do bilinguismo? Quais erros não cometer?

A meu ver isso ajuda a desenvolver ainda mais as vantagens cognitivas que o blinguismo dá a ela, pois a criança passa a entender melhor os mecanismos envolvidos no processo. Ela vai se interessar mais por outras línguas também. Seria um grande erro permitir que a criança associe o bilinguismo a fatores negativos, como pobreza ou discriminação.

Pela sua experiência, você acha que educar uma criança em línguas irmãs do português, como italiano, espanhol, francês, seria um problema? Principalmente no caso da alfabetização, onde a escrita de algumas palavras é muito semelhante e a troca de uma ou outra letra pode ser um erro grosseiro, como o caso da palavra “próximo” em português e “prossimo” em italiano.

Não tenho experiência nesse sentido mas imagino que deva haver problemas, sim. Especialmente nesses casos, meu instinto diz que seria melhor esperar ainda mais para alfabetizar na segunda língua, para permitir à criança aprender a escrever bem num dos idiomas primeiro e só então introduzir o segundo. Mas, como disse, não sou especialista nessa área.

Você gostaria de deixar algum incentivo para os pais que estão nessa busca do bilinguismo?

Bilinguismo infantil é algo natural, que “acontece” com a criança se as circunstâncias forem favoráveis. A função dos pais é tentar criar essas circunstâncias. Nunca compare seu filho com outras crianças nem dê ouvidos a críticas de amigos ou professores. Toda criança vai aprender a língua do país onde vive mais cedo ou mais tarde. Se você conseguir dar a seu filho um mínimo de intimidade com outro idioma você vai estar lhe fazendo um grande favor  - mesmo que o resultado não seja perfeito, pois na prática ele raramente o é

12 comentários:

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ disse...

Oi Claudia tudo bem?

Obrigada por tua visita lá na minha Saia Justa, rs.

Aqui em casa todos nós falamos português mesmo o pai sendo alemao;)

No comeco as criancas nao queriam falar o português porque eles nao se comunicavam com outras pessoas em português, queriam falar somente o alemao. Mas eu nunca desisti, mesmo eles nao entendendo e eu traduzindo o que eu falava com eles em portugues, o resultado é que eles hoje em dia falam as duas linguas, querem aprender mais e mais. Nao sao tao fluentes como eu gostaria, entendem mais que falam, mas no Brasil eles brincam com as outras criancas sem que eu precise traduzir. Foi dureza no comeco manter firme a minha lingua, mas digo que consegui. Hoje em dia ele, meu filho maior recebe ingles e latim na escola, e o português ajuda bastante na hora de formar as palavras em latim. O que deixou o meu filho todo vaidoso;)

Mas nao podemos desistir de jeito nenhum. E eles aprendem tao rápido que nao precisam ficar fazendo traducao de nada, pois se aprende em crianca.

Parabéns pelo blog e pelo tema.

Um bjao e uma linda semana

Claudia Storvik disse...

Oi Georgia, obriagada pelos comentários e por se tornar seguidora. Parabens pelos filhotes. Espero que continue compartilhando suas idéias e experiências com os leitores de ‘Filhos bilíngues’. Adorei seus dois blogs, principalmente ‘O que elas estão lendo?’. Um abraço, Claudia

Paula disse...

OI Claudia. Fico feliz em saber das suas visitas la no blog E quando quiser dar uma passadinha pela Costa Rica sinta-se desde jà convidada. È bem interessante isso de nao misturar os idiomas nas conversas e algo q fazemos sem perceber eu e minha mae, acabamos falando a palavra q vem vem à memoria primeiro e isso é ruim pra incentivar O Samuca. Tenho algumas historias na familia, um primo q è filho de pai americano e mae brasileira q fala e entende super bem o portugues e outro primo q è filho de ambos pais brasileiros q apenas entende, como vc acho um desperdicio e uma falta de incentivo dos pais, afinal è mais comodo pra ele usar a lingua do país e os pais nao fazem muito. O meu caso ainda nao sei como serà, no momento eu e minha mae falamos portugues com o Samuel e o resto espanhol as poucas palavras q ele fala sao comuns aos dois idiomas. E logo mais qndo ele for pra escolinha sem duvida ira pra uma escola bilingue. Acho q no fundo depende mesmo da crianca e como vc diz dos estímulos que despertem o interesse e a necessidade deles em aprender a outra lingua.
Nossa q post enorme...vou ficando por aqui. Um beijo e ate mais

Claudia Storvik disse...

Oi, Paula. Obrigada de novo pelos comentários. Nossa, sua família é toda internacional mesmo! Pois é, assim como o pessoal da Itália, você tem essa questão dos dois idiomas serem parecidos. Mas se vocês falarem português sem misturar com espanhol uma hora o Samuca começa a separar os dois direitinho. Obrigada também pelo convite. Um abraço, Claudia

Eric Watson disse...

Oi Claudia, tudo bem? Morro na Australia com os meus dois filhos de 3 meses! Amo eles como nada nesse mundo, e quero que eles tenham a melhor infância possível, você intende? Em fim, amei o seu blog e tenho certeza que vai ajudar eu e minha mulher com a educação dos nossos filhos! Beijos, e muito obrigado por fazer um blog tao bacana para todos!

Claudia Storvik disse...

Olá Eric, seja bem-vindo. Obrigada pelos comentários e por se tornar seguidor. Pai de gêmeos, mestre cuca e surfista - quanta versatilidade! Espero que continue compartilhando sua experiência conosco. Um abraço, Claudia

Vanessa Ribeiro disse...

Claudia,

Me identifico muito com a tua realidade, já que sou brasileira, casada com um belga morando em Barcelona!!!!

Em casa falamos portugues (eu) e francês (papai) e na escolinha falam catalao. O problema é que entre meu marido e eu conversamos em espanhol, uma loucura né?

Vc acha que deveríamos mudar esta dinâmica e conversar em portugues e frances somente? Eu falo frances fluentemente e posso responder em portugues, com ele falando frances.

Meio confuso, espero que vc tenha entendido.

Beijos
Vanessa
(conheci teu blog pela blogagem coletiva :-))

Claudia Storvik disse...

Ola Vanessa. Estou preparando um artigo exatamente sobre essa questao da rotina linguistica domestica de familias multilingues. Em principio a lingua que voce fala com seu marido nao tem influencia sobre seu filho; o que importa sao as linguas que voces usam na comunicacao direta com ele. A rotina de uma famiia pode envolver 4 idiomas diferentes, um entre mae e filho, um entre pai e filho, um usado quando toda a familia conversa junta e um entre marido e mulher. De qualquer forma, pode ser dificil mudar a lingua usada entre voce e seu marido - veja os posts "Pais multilingues" e "A Torre de Babel e aqui". O sistema linguistico usado por algumas familias pode parecer confuso (como voce diz) para os outros, mas para os membros dessas familias e a coisa mais natural do mundo. Se quiser fazer contato com outras maes em situacao semelhante em Barcelona posso lhe dar detalhes do Projeto Brasileirinhos que esta sendo desenvolvido ai com bastante sucesso. Fique em contato! Um abraco, Claudia

Anônimo disse...

Oi Claudia, sou recem casada com um italiano e estamos nos planejando para ter filhos, a educaçao deles e uma preocupaçao nossa, adorei seu blog, vou adicionar nos meus favoritos e acompanhar sempre.
Adorei, parabens!

Claudia Storvik disse...

Oi Yeda, obrigada pelo comentario e por se tornar seguidora. Fico feliz que tenha achado o blog util e espero que volte sempre. Um abraco, Claudia

Tacila disse...

Oi Claudia, tudo bem?? Moro nos EUA há 4 anos com meu marido e meu filho , todos brasileiros, mas quando chegamos meu filho tinha apenas 2 anos e apenas falavamos com ele em portugues, aos 3 anos ele começou a ir pra escola onde todos obviamente falavam ingles, ele fica na escola de segunda a sexta das 7:30 da manhã as 5:30 da tarde, ou seja sao 10 horas por dia se comunicando apenas em ingles. o Fato é que hoje aos 6 anos de idade ele continua tendo muita dificuldade em se comunicar em portugues, nao consegue conjugar os verbos de forma correta e notei que ele pensa em ingles e apenas traduz palavra por palavra, o que muitas vezes torna dificil de entender o que ele fala, meus amigos e familiares brasileiros reclamam bastante o fato de eu nao corrigi-lo quando fala errado, mas tenho medo de corrigir tudo que ele fala e fazer ele achar que é dificil demais aprender o portugues e até achar que é incapaz. o que voce me aconselharia? Devo corrigi-lo toda vez que ele fala errado,de uma forma mais natural talvez ou devo apenas continuar incentivando ele a se comunicar em portugues ainda que com muitos erros. Obrigada e to adordando o seu blog, é a primeira vez que acesso entao ainda estou me familiarizando. beijo e obrigada!

Claudia Storvik disse...

Ola Tacila, veja http://www.multilingualliving.com/2010/05/28/should-you-correct-your-bilingual-childs-language-mistakes/
Um abraco, Claudia

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