quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O papel das escolinhas no aprendizado de português na infância

Muitos brasileiros residentes na Inglaterra procuram escolinhas de português para seus filhos por ter dificuldade em ensinar o idioma para eles em casa. No entanto, é importante que as famílias tenham expectativas realistas com relação às escolinhas e entendam a primazia do papel dos pais no aprendizado de uma língua durante a infância.   



Existe um ingrediente importantíssimo, talvez essencial, no sucesso da transmissão de uma língua para uma criança: o valor daquela língua para a criança. Por “valor” quero dizer os benefícios que a criança percebe que a língua traz, as portas que abre, as pessoas e culturas a que dá acesso. A criança tem que ver a língua como uma ferramenta para acessar uma parte no mínimo interessante de sua vida, e não apenas como “uma língua que a mamãe às vezes fala”. 

Não subestimem seus filhos. Quando expostos a mais de uma língua, na mais tenra idade eles já percebem muito bem o “valor” de cada uma dessas línguas e decidem se o esforço de falá-las vale a pena ou não. A criança vai sempre fazer o que for mais fácil. Se inglês cobrir todas as situações que interessam a ela, não haverá nenhum incentivo para falar outra língua.

É exatamente na formação desse “valor” que as escolinhas de português têm um papel importantíssimo. Nelas a criança vai conhecer outras pessoas que também falam aquela língua, vai provavelmente aprender fatos sobre os países onde a língua é falada. A escolinha vai ajudar a criança a entender melhor sua identidade como brasileira. De forma mais estruturada e com mais recursos do que uma única familia, vai proporcionar à criança uma aproximação com o Brasil que de outra forma talvez só fosse possível se ela pudesse efetivamente estar lá.

No entanto, quanto ao aprendizado da língua em si, a função das escolinhas tem que ser entendida de maneira realista, mais como uma forma de apoio do que como agente autosuficiente, ou seja, a escolinha sozinha dificilmente vai ensinar uma criança a falar português. O formato desses grupos, geralmente com duas horas de aula uma vez por semana, não constitui uma imersão suficiente na língua para ensinar uma criança a falá-la. É o equivalente das aulinhas semanais de inglês que algumas escolas oferecem para crianças em idade pré-escolar no Brasil. A criança vai aprender algumas palavras e frases, mas se esse for o único contato dela com o idioma, provavelmente não vai passar muito disso.  

Note-se, porém, a diferença entre essas escolinhas e as chamadas “escolas bilíngues”, tão em voga no Brasil. A proposta das escolas bilíngues é ensinar por imersão, expondo a criança a uma língua estrangeira de forma lúdica, durante várias horas por dia, cinco dias por semana. (Leia aqui reportagem da revista Veja sobre a proliferação de escolas bilíngues no Brasil
). 

Esta é de fato a maneira mais fácil de se aprender uma língua em idade pré-escolar: por imersão, através do contato natural e constante com ela. Por que nossa primeira língua é chamada de “língua materna”? Porque quem a “ensina” é a nossa mãe, ou alguém que cumpre a função de mãe, ou seja, alguém que tem um contato constante com a criança.

O aprendizado de uma língua de forma estruturada, em cursos formais, sem imersão, tem maior eficácia quando a criança já tem uma certa maturidade e já sabe ler e escrever em sua língua materna. Mesmo aí, o aprendizado vai exigir um esforço mais consciente e vai se dar através de um processo cognitivo diferente do que ocorre com aprendizado por imersão. (Consulte aqui a tabela compilada pela revista Veja contendo a opinião de especialistas sobre cuidados que devem ser tomados em cada faixa etária em relação à educação bilíngue).

A teoria na prática
Quando minha filha tinha 5 anos comecei a achar que ela se beneficiaria se pudesse se encontrar regularmente com outras crianças brasileiras e junto com elas desenvolvesse atividades que proporcionassem um maior contato com a cultura brasileira. Como na região onde morávamos não existia nenhum grupo, ajudei a fundar e por vários anos administrei (como voluntária) a Escola Brasileira de Bromley, que oferecia aulas de português e cultura brasileira para crianças.

Na escolinha havia muitos pais que faziam um grande sacrifício para levar os filhos às aulas aos sábados, mas que não falavam português com eles em casa regularmente. A maioria dos filhos desses pais frequentou a escolinha durante anos, mas infelizmente nunca chegou a falar português com alguma fluência. Já as crianças que falavam português em casa constantemente com pelo menos um dos pais, como minha filha, tiveram um excelente aproveitamento do ponto de vista linguístico, aumentando seu vocabulário e aprendendo estruturas gramaticais mais sofisticadas.

Acredito que todas essas crianças passaram a entender melhor as diferenças culturais entre Brasil e Reino Unido, aprenderam sobre cultura, geografia e história brasileiras. A língua portuguesa passou a ter um valor maior para todas elas, mas, apesar disso, para algumas faltou uma ferramenta importante para efetivamente aprender a falar o idioma durante a infância: a imersão, que deveria ter ocorrido em casa.

Existem muitas maneiras de aumentar o valor da língua portuguesa para nossos filhos. Apesar das escolinhas proporcionarem uma experiência extremamente positiva nesse sentido, o processo de valorização e aprendizado da língua na infância é contínuo, e para ser efetivo tem que se tornar parte da rotina familiar desde muito cedo, bem antes de se colocar a criança numa escolinha de português. 


Copyright © Claudia Storvik, 2010. All rights reserved.


14 comentários:

lea disse...

Muito interessante este post, amei! acho que voce esta na minha lista de blogeiras favoritas sabia?! um beijao para voce linda!! x

Claudia Storvik disse...

Oi Lea, muito obrigada novamente pelos comentarios tao gentis. Fico feliz que tenha gostado do post. E importante ser realista quanto as limitacoes das escolinhas e entender a importancia do papel dos pais na educacao bilingue. Um abraco, Claudia

Unknown disse...

Oi Claudia. Muito boa a materia, obrigada. Por acaso moras em Londres? Pergunto porque soube que vens dar uma palestra na escolinha Meu Pequeno Jesus na St.Anne Church. Eu estive lá contando uma história infantil de minha autoria no dia 15 de janeiro. Gostaria de entrar entrar em contato contigo. Sylvia
www.sylviaroesch.com

Claudia Storvik disse...

Ola, Sylvia. Estou lhe mandando um email. Um abraco, Claudia

Andréia M. disse...

Oi Claudia,
Que delícia ler seu blog! Escrevo de Barcelona, sou casada com um mexicano e mãe de um menino de 4 anos trilíngue, com a irmãzinha de 20 meses trilhando o mesmo caminho. O Mateo fala o espanhol (que é a língua que ele reivindica como materna e idioma que falo com meu marido e com os amigos), português (com ele e a Sofia só falo em português) e catalão (a escola é em catalão). Muito bom conhecer sua experiência e também a dos outros leitores e ver os futuros linguísticos possívies!
Formamos aqui em Barcelona, por conta de tudo o que você expõe, uma "escolinha", o projeto Brasileirinhos, com encontros semanais de 1h30 aos sábados. É um trabalho pioneiro e acontece há quase 1 ano. Por enquanto a turma tem crianças de 2 a 5 anos, mas queremos formar uma turma de crianças maiores. Estamos em meio a conversas com Consulado e outras entidades para conseguir estrutrá-lo melhor e fazê-lo crescer.
Continuarei a aparecer por aqui...
Obrigada e um beijo, vamos nos falando.
Andreia Moroni

Claudia Storvik disse...

Ola Andreia, seja bem-vinda e obrigada pelos comentarios. Muito interessante o que voce conta. Parabens pelos filhos trilingues. Gostaria de saber mais sobre o projeto Brasileirinhos, vamos ficar em contato sim. Se voce precisar de alguma coisa especifica, avise. Ah, e adorei seu blog! Um abraco, Claudia

Brazil Ahead disse...

Oi, Claudia.
Olha,estou ate emocionada de ter encontrado o seu blog. Alem de escrever maravilhosamente bem, eh super claro e educa. Eu tenho uma escola de Portugues aqui em NY para adultos e criancas. E eh exatamente isso que tentamos colocar na cabeca dos pais, quando, principalmente logo apos da aula, o pai ou a mae sai da escola falando em Ingles com a crianca. Gostaria muito de trocar ideias com voce e continuar em contato.
O nosso website eh brazil-ahead.com
Um beijo,
Cristhiane Viera-Rozenblit

Claudia Storvik disse...

Ola Christiane, obrigada pelo comentario e por se tornar fa no FB. Tentei mandar uma mensagem pra voce atraves do formulario no brazil-ahead.com mas nao consegui. Se quiser entrar em contato comigo pode mandar um email para claudia.storvik@googlemail.com. Adorei conhecer o Brazil Ahead, parabens pelo seu trabalho. Quem sabe a gente pode divulga-lo aqui no blog? Um abraco, Claudia Storvik

Dora Carroll disse...

Oi, acabei de conhecer teu blog e irei segui-lo. Moro em Dublin e faco parte da AMBI - Associacao das Maes Brasileiras na Irlanda. Realizamos encontros mensais, sempre celebrando as datas comemorativas do nosso Brasil. E logo estermos com o projeto de Alfabetizacao tambem. Bjs e parabens pelo blog

Claudia Storvik disse...

Ola Dora, obrigada pelo comentario e por se tornar seguidora. Parabens pelo trabalho da AMBI. Espero que volte sempre. Um abraco, Claudia

Ana Bocchini disse...

Oi Claudia. Acho que estou com um problema inverso. Provavelmente ano que vem vamos para Inglaterra passar cerca de 8 meses. Meu filho terá 3 anos e pouco e gostaria de colocar ele em uma escolinha. Mas acho que ele vai ter muito dificuldade com o Inglês. Não há escolas bilingues português/inglês? Obrigada desde já e parabéns pelo blog

Claudia Storvik disse...

Oi Ana, ate onde eu sei nao ha escolas bilingues portugues/ingles na Inglaterra. Mas se voce acertar na escolha da escola, mesmo sendo em ingles seu filho nao deve ter muita dificuldade. Leia o post 'Criancas, linguas estrangeiras e comuncacao' em http://filhos-bilingues.blogspot.com/2011/02/criancas-linguas-estrangeiras-e.html . Um abraco, Claudia

Rita Dorneles disse...

Oi Claudia... estou muito impressionada com o seu blog. Bisbilhotei tudo, vi cada post com cuidado e atenção, e não resisti e precisei entrar aqui para deixar o meu PARABÉNS! Além de escrever muito bem, você é uma incentivadora, porporciona leituras agradáveis e de muito interesse. Sabe, eu não sou mais uma pessoa novinha, já tenho 48 anos, mas me sinto recomeçando a minha vida. Eu, meu marido e nossos 3 filhos chegamos a Londres em Agosto de 2010. Trouxemos na nossa bagagem excelentes experiências da nossa vida em Lisboa (passamos 5 anos lá), e meus filhos mais velhos trouxeram também muita expectativa e muitas saudades dos amigos, lugares, essas coisas que nos acompanham e nos transformam em "gente". Desde que o meu primeiro filho nasceu (20 anos atras) eu parei de trabalhar, e quis me dedicar inteiramente a arte de ser mãe. Nunca me arrependi, acho que não consegui ser a melhor mãe do mundo, mas fiz e faço tudo que está ao meu alcance. Sofri muito no primeiro ano em Londres. Embora eu tenha estudado muito inglês a minha vida toda, nunca fui obrigada a usá-lo, portanto, nãoe ra falante da língua inglesa, apenas leitora. Fiquei sozinha em casa, durante 1 ano inteiro. Meus filhos foram para o College (não consegui que eles continuassem os estudos normalmente, o mais velho deveria ter iniciado a Universidade neste ano escolar de 2011/2012, mas está terminando um BTEC no college) a minha menina entrou para a Ursuline High School no 9º ano, e de todos foi a que mais se beneficiou. Hoje eles falam muito bem inglês, meu marido trabalha numa excelente empresa e eu em casa, a cuidar de uma gata abandonada que nos adotou e da casa, essas coisas normais de dona de casa. Bem, depois de muito ler na internet, pesquisar, me interessar, descobri que posso (e devo) procurar trabalhos voluntarios para me integrar a minha comunidade e melhorar o meu inglês que lógico, continua fraquinho. Como sou graduada em Pedagogia, tenho formação de professores de 1ª a 4ª série, achei que talves fosse possivel enveredar por estas bandas... e cada vez que leio alguma coisa a esse respeito fico mais empolgada. Neste momento estou em stand by até Setembro, porque tenho um compromisso com o meu pai por quase 50 dias no Brasil e não quero me comprometer com nenhum trabalho voluntário e depois ter que sair (acho que isso pode não ficar muito bem).
Bem... entrei apenas para te parabenizar e acabei usando o espaço para "desabafos", me desculpa! Beijinhos Claudia, parabéns pela iniciativa, parabéns pela forma deliciosa como escreve, parabéns pelo sucesso com o trabalho com a sua filha... Um beijinho

Shirley disse...

Oi Claudia,
Pa-ra-béns! Que coisa boa encontrar seu blog! Até que enfim posso encontrar respostas para as minhas perguntas. Eu sou brasileira e moro em Nantes (FR) com meu marido (francês) e meu filho de 4 anos. Antes de ter filhos conheci brasileiras e ficava surpresa com o fato de seus filhos não falarem português (é sempre muito facil julgar os outros!). Eu nunca fui muito de "me fazer perguntas" (como dizem os franceses...) e vivo um dia de cada vez. Quando descobri que estava gravida (de novo, depois de 13 anos!) foi nesse mesmo espirito que encarei o fato de ter um filho (potencialmente) bilingue. Achei que tudo seria muito natural, eu falaria português com ele e pronto; mas nada se passou como previsto. Meu marido não falando português, e meu filho brasileiro de 13 anos estando no Brasil eu me dei conta que estava sozinha para falar português com Ben. E foi assim que eu me dei conta que a pressão da lingua do pais é realmente enorme e que para continuar falando português com Ben eu precisaria de muita força e persistência. Até agora (ele tem 4 anos) eu nunca adotei um método para que ele fosse bilingue, as vezes falo português (principalmente quando cantamos, coisa que eu adoro; ou lemos, nas raras vezes que consigo encontrar livros em português) outras vezes falo francês (na verdade quando estamos num grupo exclusivamente composto por franceses me sentia constrangida em falar português e parecer grosseira). Também tinha medo (como muitas acredito eu) que meu filho nãoo falasse suficientemente bem o francês quando entrasse na escolinha. Agora vejo que sou como as mães brasileiras que conheci e tenho tentado ser mais coerente em casa. A dificuldade que tenho (como muitas mães) é que o português é a "lingua da mamãe" e fica dificil para ele enxergar o "valor" dessa lingua. Infelizmente não temos escolinha de português em Nantes. Tenho tentado encontrar outras mães que tnham filhos pequenos para que ele possa interagir com outros "brasileirinhos". A ironia dessa historia toda é que EU trabalho como professora de português... Como diz o velho ditado: casa de ferreiro, espeto de pau. Obrigado por me deixar desabafar. Um abraço grande e espero que você continue sempre nos presenteando com seus textos.

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