quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Sistemas linguísticos domésticos que promovem o bilinguismo

A maioria das famílias que educa filhos bilíngues tem um sistema linguístico consistente em casa, o que diminui muito a tendência das crianças de misturar as línguas ou se recusar a falar uma delas. Em geral esses sistemas linguísticos domésticos são baseados em um de dois métodos:

-      ’Minority language at home’ (MLH), ou

-      ‘One parent, one language’ (OPOL)

Colin Baker, conhecido autor de livros sobre bilinguismo infantil, chama esses sistemas de ‘estratégias de separação das línguas ’.

Minority language at home (MLH)
Este é o sistema mais comum em famílias criando filhos bilíngues, e também o que tem maior chance de sucesso. Quando tanto o pai quanto a mãe falam uma língua que não é a falada no país de residência, podem optar por usar apenas essa língua na sua rotina doméstica, inclusive na comunicação com os filhos. A língua minoritária é usada por toda a família, mesmo que não seja a língua materna de um (ou ambos) os pais. A criança aprende a língua usada pelos pais em casa, e a língua do país de residência na escola e outros lugares onde tenha interação social com membros da comunidade. Esse sistema é o que tem maiores chances de gerar crianças totalmente bilíngues, porque a criança tem contato constante com a língua minoritária desde o nascimento até o momento que ela se muda da casa dos pais.




A seguir, alguns exemplos de famílias que optaram por este método.

Exemplo 1
Línguas envolvidas
Mãe - língua materna: português. Outras línguas: inglês
Pai - língua materna: português. Outras línguas: inglês
Língua do país de residência: inglês
Sistema linguístico  doméstico
Comunicação entre mãe e pai: português
Comunicação entre mãe e filho: português
Comunicação entre pai e filho: português

Exemplo 2
Línguas envolvidas
Mãe - língua materna: português. Outras línguas: inglês, espanhol
Pai - língua materna: inglês. Outras línguas: português
Língua do país de residência: português
Sistema linguístico  doméstico
Comunicação entre mãe e pai: inglês
Comunicação entre mãe e filho: inglês
Comunicação entre pai e filho: inglês

One parent, one language (OPOL)
No sistema OPOL cada um dos pais normalmente tem uma língua materna diferente e se comunica com a criança exclusivamente naquela língua, mesmo que se comunique com seu cônjuge em um idioma diferente. Para algumas famílias este é o único método aceitável, especialmente quando os pais não querem abrir mão do privilégio de se comunicar com os filhos em suas respectivas línguas maternas. Esse foi o método que usamos após o nascimento de nossa filha, como exemplificado a seguir.

Línguas  envolvidas
Mãe - língua materna: português. Outras línguas: inglês, espanhol, francês, norueguês
Pai - língua materna: norueguês. Outras línguas: inglês, alemão
Língua do país de residência: inglês
Sistema linguístico  doméstico
Comunicação entre mãe e pai: inglês
Comunicação entre mãe e filho: português
Comunicação entre pai e filho: norueguês

O método também pode ser usado quando um dos pais é fluente em duas línguas e escolhe falar com a criança naquela que não é sua língua materna. No Brasil está se tornando comum o chamado OPOL artificial, em que um dos pais, apesar de ser brasileiro e ter português como língua materna, se comunica com o filho exclusivamente em inglês, para que a criança desenvolva esta língua desde a infância. Por exemplo:

Línguas envolvidas
Mãe - língua materna: português. Não fala outras línguas
Pai - língua materna: português. Outras línguas: inglês
Língua do país de residência: português
Sistema linguístico doméstico
Comunicação entre mãe e pai: português
Comunicação entre mãe e filho: português
Comunicação entre pai e filho: inglês

Especialistas afirmam que a língua usada entre o pai e a mãe não tem influência no desenvolvimento linguístico da criança, a menos que seja também usada na comunicação direta com ela. Isso quer dizer que, no caso de uma familia morando na Inglaterra por exemplo, se o pai fala inglês com a criança e a mãe português, e o pai e a mãe se comunicam entre si em francês, a criança vai provavelmente aprender a falar inglês e português, mas não necessariamente francês.

OPOL algumas vezes também é chamado de ‘one person, one language’, pois a pessoa que ensina a língua à criança não tem que ser um dos pais; precisa apenas passar tempo suficiente com a criança para que haja a imersão necessária para desenvolvimento da língua. Por exemplo, uma criança pode aprender a falar uma língua estrangeira através do convívio com sua avó, ou com uma babá, que usa com a criança apenas a língua estrangeira em questão.

O método OPOL é extremamente efetivo em alguns casos, como no da nossa família, mas muitas vezes o seu uso pode resultar em crianças que têm apenas comando passivo da língua minoritária falada pelo pai/mãe. Isso ocorre quando o pai/mãe não proporciona uma experiência linguística rica o suficiente para o desenvolvimento da língua, ou quando o adulto não é consistente no uso do idioma, falando com a criança às vezes na língua do país de residência e outras vezes na língua minoritária. Sobre este assunto veja o post ‘Bilinguismo passivo - Quando a criança se recusa a falar português’.

Outros sistemas
Há uma variedade de outros sistemas possíveis, mas os dois acima são os que obtêm melhores resultados. No entanto, não existe receita de bilinguismo. Mesmo os dois sistemas mencionados acima podem não funcionar, dependendo das circunstâncias.

Cada família precisa encontrar o seu caminho, e a meu ver ser consistente é mais importante do que seguir fórmulas pré-determinadas. No entanto, parece existir uma regrinha importante: a melhor maneira de assegurar sucesso é adotar um sistema que possa ser usado de forma natural pela a família em questão.

Problemas
Mesmo os métodos recomendados por especialistas podem apresentar seus problemas.

No caso de OPOL, um problema frequente é a falta de equilíbrio na exposição às várias línguas. Se o único contato que a criança tem com uma língua minoritária é atraves de seu pai ou mãe, pode não haver estímulo suficiente para a língua se desenvolver, especialmente quando tanto o pai quanto a mãe entendem a língua do país de residência. A criança pode considerar a língua local mais importante que a minoritária, que passa a não ter valor para ela. Nesse caso é importante usar estratégias para aumentar o valor da língua minoritária (veja o post ‘Crianças bilíngues e o valor das línguas ’). Da mesma forma, se um dos pais não passa tempo suficiente com a criança, esta pode simplesmente não aprender a sua língua. Outro fator potencialmente problemático é um dos pais não entender a língua que o outro fala com a criança. Para uma discussão deste problema veja o post ‘Quando um dos pais não fala português’.

A menos que um dos pais no sistema OPOL se comunique com a criança na língua do país de residência, no caso de ambos os métodos descritos acima existe a possibilidade de a criança não dominar a língua do país de residência tão bem quanto outras crianças da mesma idade, pelo fato de sua língua dominante no ambiente doméstico ser outra, ou outras.  Isso pode gerar uma certa ansiedade nos pais quando a criança começa a frequentar a escola. Geralmente uma criança nessa situação atinge o mesmo nível das monilíngues na língua majoritária a partir dos 5 anos de idade, mas poucos meses após começar a frequentar a escola os pequenos normalmente já se comunicam na língua do país de residência sem problema algum.

No caso de famílias que usam o método MLH, pode acontecer de os filhos preferirem se comunicar entre si na língua do país de residência, ou mesmo se recusarem totalmente a usar o idioma minoritário a partir de uma certa idade, o que pode causar muita frustração para os pais.

Dicas
Independentemente do método usado, deve haver consistência absoluta na sua aplicação. Esta regra é básica e se não for seguida dificilmente haverá sucesso.

O sistema escolhido deve ser introduzido o mais cedo possível, de preferência logo após o nascimento da criança.

Leia os posts ‘Crianças bilíngues e o valor das línguas’ e ‘Crianças bilíngues e o valor do bilinguismo’. Esses artigos contêm dicas muito importantes para estimular o bilinguismo independentemente do sistema linguístico escolhido pela família.



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8 comentários:

Paula disse...

Oi Claudia

Como sempre estou aqui aprendendo com os seus posts. Tenho umas perguntas...no meu caso eu falo 3 idiomas mas o pai do Samuel só fala espanhol. Eu falo espanhol com o pai dele e falo portugues com o Samuel desde que ele nasceu. Ele escuta o espanhol com as outras pessoas, Tv, , etc. Minha dúvida é primeiro em relacao ao ingles, como e quando introduzir? E a outra é assim qndo eu to com outras pessoas q so falam espanhol eu acabo falando espanhol com ele, ta errado? deveria so falar portugues mesmo? Bom se vc tiver uma dica pra me dar vou adorar! Desde já agradeco. Um super beijo

Paula

www.diasdesamuca.blogspot.com

Márcia disse...

Muito interessante o post. Aqui em casa só falamos português com o meu filho que tem apenas 2 anos e 6 meses. Quando ele for para a escola aprenderá o inglês (ele até já sabe algumas palavrinhas esse espertinho). O que eu tenho visto em algumas famílias brasileiros é que na segunda geração de imigrantes os pais têm mais dificuldade em manter a língua portuguesa, já que eles mesmo se comunicam melhor em inglês. Ouvi uma amiga recentemente falando sobre isso. Os filhos dela só falam em inglês entre si e ela acaba cedendo e falando inglês também.

Claudia Storvik disse...

Ola Paula. Otimas perguntas. Quanto a falar ou nao espanhol quando estao com outras pessoas, nao existe regra nesse sentido. Algumas pessoas sao super rigidas e nunca usam a lingua majoritaria com os filhos, outras sao mais flexiveis. O melhor talvez seja evitar usar a lingua majoritaria pelo menos enquanto a crianca esta aprendendo a falar. A consequencia dessas “escapadelas” vai depender muito da crianca: para algumas isso vai ser motivo para falar apenas a lingua majoritaria com a mae, ja outras sao um pouco mais tolerantes. Voce tem que prestar atencao no seu filho e seguir seu instinto. Voce vai precisar encontrar o equilibrio entre o que e ideal do ponto de vista linguistico e o que e natural para voces. Quanto a introduzir ingles, precisaria saber detalhes de como prentendem faze-lo. Como nao parece que a lingua seria usada na rotina domestica (voce usa portugues e seu marido espanhol) provavelmente nao ha razao para ter muita pressa – o Samuel ainda tem 18 meses e as criancas tem muita facilidade para aprender linguas estrangeiras ate pelo menos os 7 anos. A necessidade de introduzir uma rotina linguistica em casa o mais cedo possivel provavelmente tem muito a ver com o fato de que na pratica introduzi-la mais tarde na maioria das vezes e simplesmente impossivel. Um abraco, Claudia.

Anônimo disse...

Oi Claudia!
Meu nome é Danielle, achei seu blog pesquisando por aí, por que estou tentando ensinar meu filho o inglês, sou fluente, mais faz bastante tempo que não falo nada e tenho voltado a estudar bastante por causa dele, meu marido não fala e nem minha família, vi seus posts e ajudaram bastante, acho importante ele aprender, mais eu vejo que aqui no Brasil o ensino de uma segunda língua não é "normal", as pessoas lhe criticam e às vezes você falar na rua, passa uma idéia estranha, sei lá, eu me sinto desmotivada às vezes, mais bola pra frente! Meu bb tem 1 ano e 7 meses

Andrea Menezes disse...

Olá Claudia! Descobri o seu blog recentemente e estou amando! Muito interessante e sem dúvida uma enorme ajuda para os pais (ou futuros pais, como eu).
Eu sou brasileira e moro na Noruega, noivo norueguês, estou grávida e já "preocupada" em como ensinar português para a minha filha.

Seu blog tem sido de enorme ajuda (comecei a ler desde o primeiro post e pretendo ler até os posts atuais).

Lendo esse post me surgiu uma dúvida: No caso do método OPOL, digamos que eu fale português com a minha filha e inglês com o meu noivo, como fazer quando a criança começar a participar dos diálogos de família, como na hora das refeições, por exemplo, onde os três (mãe, pai e filha) estariam conversando juntos e não seria possível falar português? O fato do dialogo familiar acontecer em inglês prejudicaria o entendimento de OPOL da criança?

Parabéns e obrigada pelo excelente trabalho!

Andrea

vitória queiroz cangussu disse...

Hey, só uma dúvida. Mas a criança desde os primeiros anos aprenderão as 2 línguas? e não misturar as línguas?

Lena Keiko disse...

Ola Claudia,
Estou lendo o blog,pois estou meia pensativa e procurando ler sobre o assunto,ja tenho um filho adolescente,foi um longo caminho ate aqui,com algumas mudancas de paises;mas hoje ele e totalmente fluente em portugues e ingles;espanhol e alemao em nivel intermediario e frances no nivel B1;e ele e passivo em japones,le e escreve ate que bem,tambem estuda japones e sempre diz que ate a 4 lingua nao e tao dificil,dificil e depois da 5;e tenho uma filhinha de 3 anos,que vai entrar na escola este ano,eu espero;quando as pessoas falam de filhos bilingues tudo parece tao facil,principalmente no dia a dia,em casa eu falo portugues e japones,tem algumas expressoes que eu uso em espanhol e outras em alemao;meu filhote fala com a irma em portugues e ingles,mas chama ela para ver tv com ele uma ou duas vezes por semana,e essas horas sao com tv em ingles ou japones;o pai dela fala espanhol e tambem alemao com segunda lingua,eu falo em portugues com meu marido que fala em espanhol comigo;vivemos na Alemanha,mas ainda nao falo o suficiente de alemao,sou apenas um sofrivel B1,estou esperando ela entrar na escola para voltar a estudar;mesmo com tantas linguas em casa, ela fala bastante,e uma salada mista,misturando portugues,japones e alemao;nos ultimos meses ela comecou a usar muitas expressoes em ingles, e o espanhol e a lingua que ela menos usa na mistura normal,o irmao diz que ela vai deixar a professora louca com a a linguagem propia dela;ele mesmo me diz que ja passou por todo esse processo comigo e que nao e facil,agora estamos envolvidos na provavel ida dela a escola,ela ja esta inscrita,so estamos esperando ela ter a idade para entrar,meu filho estuda la ha dois anos e gostamos do sistema;e a Schola Europaea,as regras e que ela estude a lingua materna,e que facamos a escolha da lingua principal em que ela vai trabalhar os estudos,sao tres secoes:inglesa,alema e francesa;no caso do meu filhote,como ja chegou aqui adolescente foi portugues como lingua materna,ingles, e frances como terceira lingua;e o exame final o European Baccalaureate sao feitos para a lingua materna + a lingua da secao escolhida;a duvida cruel e que a diretora de admissoes me disse que o natural seria como ela ainda pequena entrar na secao alema;e ter ingles como terceira lingua,o que me fez parar e pensar,afinal moramos na Alemanha,ja basta ter meu filho que nao estuda alemao,ele ja fez alguns cursos para adolescente no Goethe por isso tem o nivel intermediario;mas meu filhote diz que nao concorda,que minha escolha e melhor para a irma, ter portugues+ingles e alemao como terceira lingua,pois ela vai aprender alemao vivendo aqui de qualquer maneira ainda mais se vai estudar a lingua na escola,que teria de ser surda ou ter alguns problemas serios para nao aprender...o que e verdade,e que no final ele acredita que em algum momento podemos nos mudar de novo,e entao o que vamos fazer com o alemao dela?e mais facil estudar em ingles mesmo;falamos com a escola e eles disseram que sim,que no nosso caso e algo para se levar em conta,que essa poderia ser a melhor saida;mas as pessoas me olham de maneira estranha por optar por essa solucao;dizem que e muito para um crianca tao pequena..que eu sou uma mae muito exigente,ate a familia do meu marido,que mora do lado do Brasil costuma fazer alguns comentarios acidos sobre fazer alguem tao pequena estudar tres linguas e ainda ter a mae se comunicando em uma quarta lingua e o pai um quinta lingua;para todos e normal ser bilingue,mas quando eu falo dessas duvidas as pessoas olham de maneira muito estranha.A professora de portugues do meu filhote me parece no final a mais sensata,eles sao irmaos,e natural que se podemos, que ela estude as mesmas linguas que o irmao estudou,afinal comunicacao em familia e algo importante.

Maria Selma disse...

Tenho falado português com meus filhos desde que nasceram e o pai tem falado inglês.Não apenas falam as duas linguas ,mas também leem e escrevem. Em casa, usa-se as duas línguas.

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