Numa conceituada escola particular inglesa onde temos alguns conhecidos, aulas de mandarim têm mais demanda que aulas de francês ou espanhol. Famílias afluentes de Nova York chegam a contratar babás chinesas para cuidar de seus bebês e ensinar-lhes a falar mandarim.
Apesar da "moda", eu sempre tive uma certa reserva acerca de pais que querem que seus filhos aprendam chinês (mandarim) como língua estrangeira. Além do fato de que, a menos que você more na China, a probabilidade de se encontrar em uma situação em que necessite falar chinês ser quase nula, minha principal objeção ao ensino do mandarim como segunda língua para crianças é a complexidade da língua, o que cria dificuldade no aprendizado, principalmente da forma escrita, com mais de 6 mil caracteres a serem memorizados e decifrados. Isso tudo geralmente num contexto em que a criança não tem nenhuma afinidade cultural com a China. Provavelmente os pais mencionados acima avaliam a influência potencial do mandarim na cultura global considerando o número de pessoas que falam essa língua e seu desenvolvimento econômico. No entanto, um estudo recente demonstra que esses motivos também podem ser equivocados.
Os resultados de uma pesquisa super interessante, publicados na última edição da revista Proceedings of the National Academy of Sciences, indicam que, muito mais do que demografia ou riqueza (que obviamente tem um grau de contribuição), a influência global de uma língua se mede principalmente pela sua capacidade de estabelecer pontes entre pessoas que falam outras línguas, associadas a culturas por vezes muito diversas e afastadas do ponto de vista geográfico. Essas pontes se tornam possíveis através do multilinguismo.
“O chinês (ou mandarim para ser mais preciso), apesar de ter um grande número de falantes, é uma língua relativamente periférica, ou seja é uma língua que está isolada sobre si mesma e não interage com as restantes”, explicou o português Bruno Gonçalves, co-autor do estudo. “Ou seja, o chinês é útil na China, mas está longe de ser uma língua falada frequentemente noutros países ou regiões. Isto deve-se tanto à sua complexidade (que dificulta a aprendizagem) quanto ao tamanho da China (que facilita o isolamento cultural, visto poderem ser auto-suficientes).”
Para determinar as ligações existentes entre as línguas e avaliar a sua força, os cientistas construíram três mapas diferentes a partir de três grandes massas de dados, respectivamente provenientes do Twitter, da Wikipédia e de traduções literárias (os diversos mapas estão acessíveis no site do projeto).
A pesquisa concluiu que atualmente o inglês está no topo da influência global. Além de ter cerca de 1.5 bilhão de falantes (incluindo falantes como segunda língua) com um elevado rendimento per capita, a pesquisa também confirma que a língua inglesa é a mais capaz de ligar outras línguas entre si, o que todos já sabíamos.
Depois do inglês, as línguas mais centrais a nível global são o francês, o alemão, o espanhol, o italiano e o russo (nessa ordem, com os três últimos no mesmo patamar). O português aparece no grupo seguinte.
“O português é uma língua intermédia”, explica Bruno Gonçalves. “Porque, apesar de estar difundida pelo mundo e ter ligações a línguas mais distantes, tanto geográfica como linguisticamente, não tem a importância global de uma língua como o inglês tem atualmente ou como o francês teve em décadas passadas. Para mim, o resultado mais surpreendente em relação ao português foi a sua ligação à língua malaia e ao finlandês, que são visíveis na redes derivadas do Twitter e da Wikipédia”.
Quanto ao chinês e o árabe, apesar de serem mais falados do que línguas como português, francês, alemão e italiano, ambos surgem nos resultados como mais periféricos e menos centrais que línguas medianamente periféricas, como o português. Em particular, no mapa derivado do Twitter, o português e o espanhol são as línguas indo-europeias mais centrais depois do inglês – enquanto as línguas "sino-tibetanas", como o chinês, se tornam praticamente irrelevantes.
“O que estes resultados demonstram é que a cultura e a língua estão intrinsecamente ligadas e que promover uma é promover a outra”, frisa Bruno, e que a melhor forma de preservar o português é “através de medidas que aumentem o número de estrangeiros que falam a nossa língua (promoção de aulas de português para estrangeiros, etc.) ou que difundam a cultura portuguesa, como a tradução de livros de autores nacionais para outras línguas”.
Segundo Bruno, a língua franca do futuro será provavelmente uma mistura de línguas. “O inglês manterá o seu domínio, mas acho que não corremos o risco de ter uma única língua global que elimine as outras.”
No vídeo abaixo, o pesquisador Cesar Hidalgo explica detalhes do estudo. Realmente fascinante.
O artigo “Links that speak: The global language network and its association with global fame” publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences pode ser acessado aqui.
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Um comentário:
Muito interessante a pesquisa... será que o mandarim tem sido adotado exatamente pela complexidade?
De qualquer forma, não seria mesmo minha escolha para ensinar meu filho...
O ingles ou espanhol ainda são muito mais populares, pelo menos na nossa cultura ocidental.
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