Através da Andreia Moroni (vide post A experiência de voltar a morar no Brasil) conheci a paulista Daniela Damiati, que gentilmente aceitou meu convite para escrever um relato para Filhos Bilíngues sobre sua interessante experiência linguística e cultural. O texto segue abaixo, e provavelmente vai proporcionar uma luz a muitos pais criando filhos bilíngues pelo mundo afora.
Obrigada, Daniela, por compartilhar a sua história.
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Olá!
Eu sou a Daniela e vim aqui contar minha história para vocês. Falo não da perspectiva dos pais ou dos estudiosos do bilinguismo, mas sim do ponto de vista de quem teve uma criação bilíngüe.
Quando eu tinha dois anos, meu pai ganhou uma bolsa de estudos para fazer seu doutorado nos Estados Unidos. De imediato, nos mudamos para lá, onde ficamos durante cinco anos.
Já em terras norte-americanas, meus pais falavam entre si e comigo somente o português. Dessa maneira, nunca perdi o contato com minha língua materna. No entanto, logo comecei a ir à escolinha, onde aprendi a falar o inglês com bastante fluência.
Em pouco tempo, eu já falava e compreendia bem as duas línguas, mas teve início uma situação peculiar: meus pais falavam comigo em português, mas eu preferia responder quase sempre em inglês. Minha mãe relata que isto, inclusive, ajudou-a no aprendizado do inglês, já que ela não tinha visto de trabalho e ficava muito tempo em casa, sem contato próximo com falantes nativos.
Eu também costumava corrigir a pronuncia do meu pai, pois notava diferenças entre a fala dele (com sotaque) e a fala de um americano.
Lembro que quando meus pais se juntavam a seus amigos brasileiros, no caso de alguma confraternização, eu tinha dificuldades para entender o que falavam, pois conversavam muito rápido, mas eu gostava de escutá-los. As músicas brasileiras também estavam sempre presentes em nosso cotidiano, o que foi muito importante para que eu criasse um vinculo afetivo com a língua.
Este período da infância, fora do país, foi intenso, pois estudei numa escola com crianças de várias partes do mundo, filhos também de universitários estrangeiros que moravam nos Estados Unidos. Como aprendi o inglês muito cedo, me integrava muito bem com as crianças norte-americanas, pois falávamos o mesmo nível de inglês. Ao mesmo tempo, interagia bem com meninos e meninas de outros países que estavam aprendendo a língua. Essa escola era interessante porque todos os alunos tinham aulas regulares, mas as crianças estrangeiras, recém-chegadas ao colégio, recebiam reforço para aprender o inglês de modo mais rápido, para não perderem o conteúdo das aulas. Era um ambiente muito rico, com crianças das mais diversas etnias, religiões e continentes, o que tornava a diversidade uma parte trivial do nosso dia-a-dia.
Os cinco anos que passei nos Estados Unidos foram muito bons. Saí de lá alfabetizada em inglês, com uma fluência enorme na língua, mas sem nunca perder o vinculo com a minha língua materna, o português.
Ao retornarmos ao Brasil, meu pai queria falar comigo em inglês, visando manter nossa fluência, mas a iniciativa não me parecia natural, já que, até então, ele sempre havia falado comigo em português. Então recusei a situação e passei a responder a ele em português também.
No interior de São Paulo, onde voltamos a morar assim que chegamos ao Brasil, era difícil encontrar alguém, naquela época (meados dos anos 1980), que tivesse fluência em outra língua. Nesse sentido, uma criança que falava inglês fluente e o português de modo razoável, mas com sotaque, era um grande chamativo. Todos queriam que eu dissesse coisas em inglês, mas me incomodava ser o centro das atenções. Nesse sentido, preferi me dedicar a aperfeiçoar o português o máximo que conseguisse.
Em pouco tempo já não tinha mais dificuldade para falar ou escrever em português e perdi até mesmo o sotaque do inglês. Meu único choque ao retornar ao Brasil foi com a escola. Como ela era particular, havia quase que uma unanimidade de alunos brancos, o que contrastava muito com a diversidade da minha escola anterior. Foi aí que entendi o que significava o preconceito.
Nessa escola tinha aulas semanais de inglês, mas tudo era muito básico, o que não me ajudava a manter o inglês adquirido. No entanto, tendo em vista a larga influência cultural americana, por meio de músicas, filmes e séries de TV, consegui manter o contato com a língua e nunca tive dificuldades com ela. Muito pelo contrário: mesmo hoje, passados mais de 20 anos desta experiência, eu ainda tenho fluência ao comunicar-me em inglês e sempre fui bem nas vezes em que fiz os exames de proficiência da língua inglesa.
Como esta experiência vivida ao longo da infância despertou minha atenção para outras culturas, durante adolescência quis fazer um novo intercâmbio cultural. Acabei optando por ir para a Bélgica, um país multicultural com três línguas oficiais, onde morei durante um ano. Lá, fiquei hospedada na região de Flandres e aprendi mais um idioma, o flamengo, que nada mais é do que o holandês com o sotaque e expressões típicas belgas. Certamente o fato de já ser fluente no inglês e português, ajudou-me muitíssimo no aprendizado de uma terceira língua, então fui uma das estudantes brasileiras que aprendeu mais rápido e com mais facilidade o holandês. Apesar de ter perdido um pouco do vocabulário, continuo me comunicando muito bem no holandês, mesmo agora, quando já se passaram 14 anos desta experiência.
Acredito também que não foi coincidência que, ao retornar ao Brasil, tenha escolhido a área de comunicação como opção no vestibular. Nos meus estudos na universidade, lembro de um texto que falava sobre como nossa visão de mundo é pautada pela língua que falamos. Isto me fez lembrar do que eu já tinha percebido intuitivamente nas minhas experiências fora do país: línguas anglo-saxãs como holandês e o inglês têm muitas palavras para exprimir situações e detalhar objetos. E não é à toa que a cultura deles é bastante organizada. Línguas latinas como o português, por sua vez, apresentam mais palavras que exprimem sentimentos. E, em regra, somos conhecidos por sermos muito emotivos. Claro que estas são generalizações, mas, de fato, sinto que quanto mais línguas você aprende, mais você amplia sua visão de mundo, bem como estimula a sensibilidade.
E por isto acredito que todo filho(a) deve ser estimulado a aprender a língua-mãe de seus respectivos pais. Isto só fará dele um ser humano com uma visão mais rica do mundo e das diversas culturas na qual ele está inserido.
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7 comentários:
Muito interessante o post. Daniela fala de um ponto de vista de quem toma as línguas não como simples instrumentos de comunicação, mas sim meios de acesso a todo um arcabouço cultural amplo, o que acaba estimulando vivências interculturais ricas e produzindo como subproduto algo de imenso valor nos dias de hoje: uma visão de mundo ampla, pautada pela alteridade e pela tolerância...
Adorei o texto. Eh sempre reconfortante ouvir a experiencia de quem ja passou pelo que voce esta passando. Bia
Meu filho de 5 anos é bilíngue português/francês pois moramos na França, eu sempre soube a importância dele aprender as duas línguas, mas é sempre bom ouvir um adulto contando sua experiência! Gostei muito de ler!!
Adorei o texto. è mesmo uma experiência muito rica, especialmente ouvindo o relato de alguém que já cresceu vivendo isso, não apenas o que achamos que devemos proporcionar às nossas crianças hoje em dia.
Estudiosa do assunto e líder de um grupo que ensina português à 106 crianças no Norte da Califórnia, fiquei muito feliz ao ler seu relato. Sabemos os porquês, mas ouvir de uma pessoa que viveu isso dá "cara" ao assunto. Parabéns pela sua fluência e dividimos seu texto com os pais. Obrigada, Valeria Sasser.
Amei seu texto. Engraçado foi que parecia que você estava falando da minha vida. Kkkkk! Meu pai foi fazer doutorado nos EUA quando eu tinha 4 anos. Ficamos lá 5 anos também. História semelhante à sua. Eu só falava inglês, mas meus pais falavam em Português. Quando voltamos eles tentaram inverter, mas eu e minha irmã não conseguimos adaptar, mas acharam americanos aqui e filmes, livros, etc e mantivemos o inglês. Na adolescência fiquei 6 meses nos EUA e 6 meses na Holanda (em uma região onde falavam Holandês e também o Freeze) onde aprendi um pouco de Holandês... :) Hoje crio um filho bilingue (4 anos - fala inglês e português com fluência)...
Muito interessante essa historia.Apesar de morarmos num pais q tem portugues como lingua oficial,falo em ingles com minha filha desde q ela tinha dois meses.He ela tem 2anos eja comecei o alemao com ela.!
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